A Voz de Trás-os-Montes – O que falhou no Sport Clube de Vila Real para a equipa não ter conseguido arrecadar o título?
Carlos Felisberto – Há um conjunto enorme de factores para esse fracasso. Em primeiro lugar, há a nossa responsabilidade directa na falta de competência e na incapacidade para angariar mais pontos que nos permitissem ficar à frente da equipa do Mondinense. Desde o início da época que o clube mostrou grande instabilidade emocional. Teve três treinadores, muitos jogadores que entraram e saíram do balneário, o que causou algum desconforto a nível psicológico. Houve rotinas de jogo que foram mudando, formas diferenciadas de trabalhar e preparar os jogos. Era urgente dar estabilidade ao grupo de trabalho, e foi isso que assumimos na altura em que entramos no clube. Só posso falar a partir do momento em que assumi o comando da equipa. Claro, que não vou fugir às minhas responsabilidades neste fracasso. Quando ganhamos, ganhamos todos e quando perdemos, perdemos todos. Temos que nos debruçar sobre aquilo que não fomos capazes de produzir e teremos que analisar minuciosamente os nossos próprios erros para que não se voltem a repetir no futuro.
VTM – Um outro factor deverá ser acrescentado: umas vezes o Vila Real jogou no Monte da Forca, outras no Campo do Calvário. Isso também não ajuda ao trabalho que se vai desenvolvendo no clube. Concorda?
CF – Sim, são condicionalismos reais. Não quero estar a arranjar desculpas, nem quero dar a sensação de estar a “sacudir a água do meu capote”, pois sou uma pessoa frontal. Neste momento, estou aqui a representar um grupo que tudo fez em prol da instituição que representa, mas há que assumir que não tivemos a competência suficiente para sermos melhores que o nosso grande adversário. Claro que houve muitos condicionalismos, como não ter o mesmo campo durante todo o ano, só nesta última jornada tivemos o melhor piso disponível. Não é bom andarmos a preparar jogos no pelado do Calvário, outros vezes em meio-campo do relvado do Monte da Forca, com alternância do piso, umas vezes eram relvado, outras pelado. Tudo isto desgasta, deixa moças nos jogadores e prejudica o rendimento dos próprios atletas. Mesmo assim, esta era a nossa realidade, nós sabíamos que ela existia e preparamo-nos da melhor forma para ganharmos mais vezes durante a época, mas infelizmente não ganhamos tantas vezes como desejaríamos. Houve uma equipa que ganhou mais vezes, está de parabéns e é com toda a justiça o campeão desta Divisão de Honra, o Mondinense.
VTM – O Carlos começou no Mondinense, construiu o plantel, acha que pode “reivindicar” uma quota de responsabilidade neste êxito da sua anterior equipa?
CF – Claramente que não. Estou aqui para assumir a responsabilidade no insucesso do Sport Clube de Vila Real e não para fazer parte do sucesso que o Mondinense obteve esta época. Esse sucesso deve ser assumido pela sua direcção, por aquele conjunto fantástico de jogadores e pela sua equipa técnica, que entrou para o meu lugar. Esses são os grandes obreiros do sucesso. A única coisa que vou dizer é que ganhou a equipa que começou mais cedo a preparar a época 2009/10.
VTM – O Carlos começou a época no comando do Mondinense, saiu incompatibilizado com os dirigentes, uma vez que quando regressou lá para o jogo da Taça foi um pouco maltratado. Como se sentiu nesse jogo?
CF – Foi um sentimento misto. De felicidade pela vitória e passagem às meias-finais da Taça. As gentes de Mondim vivem com muita intensidade o clube e têm aquele bairrismo que eu considero fundamental para transmitir calor humano a toda a estrutura. Vejo aquela recepção como que tivessem sentido a minha falta. No fundo, considero que foi uma homenagem que me prestaram. Ficaria mais chateado se tivesse passado indiferente nesse jogo.
VTM – De Mondim vieram jogadores (Diogo, Leandro, Miguel e Peixoto) e do Vidago vieram Castanha e Mico. Acha que essa vinda de atletas para o Vila Real criou anti-corpos nos clubes de onde saíram? Pelos campos onde o Vila Real passava havia muita animosidade contra o clube. Como explica isso?
CF – Isso é benéfico, porque é o reconhecimento do prestígio de um passado histórico. Culturalmente, está enraizado o complexo de inferioridade perante instituições que apesar de estarem no mesmo patamar têm mais história no futebol e isso tem que ser respeitado. Sempre que os adversários nos defrontavam era um jogo especial para todos eles (jogadores, dirigentes, treinadores e adeptos) e, por falta de lucidez, parece que sentem necessidade de arranjar confusão onde ela não existe. O Vila Real reforçou-se com jogadores que estavam no mercado, que se não tivessem ingressado no Vila Real, teriam ingressado noutros clubes. A nós compete-nos manter discernimento e analisar com lucidez o que é o futebol. Já chega de comentários desprovidos de verdade e de justiça, já que essa não é a minha forma de estar no futebol. Tento fazer tudo para evoluir como treinador e ajudar os jogadores e o clube onde estou inserido.
VTM – Um tema sempre recorrente neste tipo de conversas é a arbitragem. O Vila Real foi acusado de manipular as arbitragens. Foi prejudicado em alguns jogos e noutros foi beneficiado. Qual a sua opinião?
CF – Os árbitros tiveram uma actuação globalmente positiva. Não foi por causa dos árbitros que o Vila Real não subiu. Acho que a Associação tem boas equipas de arbitragem. Agora, algumas pessoas, para tentar desviar as atenções e tirar algum proveito do prestígio do Vila Real, (já que dentro de campo não tinham capacidade para derrubar o Vila Real), tentaram arranjar uma estratégia que deitar abaixo a imagem deste grupo de trabalho, refugiando-se em comentários sobre a arbitragem. É verdade que o Vila Real ganhou muitos jogos pela margem mínima e muitas pessoas, sem vislumbrar aquilo que foi o jogo, refugiavam-se nesses comentários típicos de criticar os árbitros. Isto faz-me lembrar o paradigma dos macacos, ou seja, as pessoas dizem algo porque se dizia ou sempre se disse, sem perceberem o porquê de dizerem, já que não encontram outros argumentos válidos para justificar outras coisas. É normal dizer-se que o Vila Real é ajudado. Quiseram desvalorizar todas as nossas vitórias que foram alicerçadas em muito sacrifício, com momentos de qualidade e outros nem tanto assim.
VTM – O Vila Real contra adversário directo (Mondinense) apenas cedeu um empate. Os jogos marcantes foram com o Régua e com o Santa Marta. Com o Régua, o Vila Real perdeu em casa e empatou em Santa Marta. Corrobora desta análise que foi aqui que a sua equipa perdeu o campeonato?
CF – Sim. Dentro de campo, demonstramos que fomos e somos superiores ao nosso adversário directo, mas o campeonato não se mede pelos confrontos directos, mas sim pela regularidade. Um dos jogos que marcou o nosso trajecto foi a derrota em casa com o Régua, num jogo com aquela confusão nas substituições e a expulsão do nosso jogador. Foi uma derrota que nos abalou bastante, mas conseguimos recuperar a liderança ao derrotar o adversário directo no Calvário por 2-1. Depois fomos a Santa Marta, onde acabamos por ceder um empate e aí perdemos este campeonato. Perdemos a liderança e a partir daí a ansiedade apoderou-se deste grupo de trabalho, porque ficamos numa posição desconfortável, já que não dependíamos de nós.
VTM – Um outro facto muito comentado teve a ver com as constantes alterações na equipa de jogo para jogo, o que não é muito comum neste tipo de campeonato.
CF – Acima de tudo o que há é uma identidade. Essa é a minha forma de liderança e de estar. As pessoas avaliam como entendem que devem avaliar. Quem trabalha durante a semana com os jogadores são os treinadores e há que ter critérios. Muitas dessas alterações surgem por falta de assiduidade dos jogadores aos treinos semanais, mas eu, como treinador, jamais poderei colocar a jogar um atleta que falta duas vezes e deixar de fora um que treina quatro vezes. Isso seria uma forma de perder a gestão do grupo. Às vezes temos que fazer alguns ajustes, mas toda a responsabilidade sobre o escalonamento da equipa é do seu treinador.
VTM – Tem condições para continuar à frente do clube? Já sabe se vai ficar a comandar os destinos do Vila Real?
CF – Sim, tenho condições para continuar. Claramente que me sinto com capacidade para orientar o Sport Clube de Vila Real. Relativamente à segunda questão, é uma resposta que não poderei dar, já que não terá de ser feita a mim. A única resposta que tenho é que serei o treinador deste clube no jogo frente ao Murça, na final da Taça. A partir daí nada de concreto existe.
VTM – Numa altura em que tanto se fala do futuro do Campo do Calvário, qual é a sua posição sobre essa matéria?
CF – Gostaria que o Calvário continuasse a servir o futebol, é um campo mítico que faz parte da história da cidade. Este ano, foi um campo talismã, já que vencemos todos os jogos que ali disputamos. Penso que as infra-estruturas deverão ser melhoradas, já que estão obsoletas, mas não devem ser aniquiladas, como se pretende. Os clubes da cidade não têm espaços para treinarem em condições, as obras nas infra-estruturas para a prática de futebol pararam no tempo e isso tem-se reflectido no plano desportivo. Por exemplo, na formação não vemos os resultados que deveríamos ter, devido às fracas condições de trabalho que os clubes têm. A nível do distrito, há outros clubes com outro tipo de condições, com relvados sintéticos que são os mais apropriados para o nosso clima. O sintético é um bom piso, porque independentemente do tempo que se faça sentir, permite sempre trabalhar com a mesma qualidade ao longo de todo o ano.
Carlos Felisberto aproveitou para deixar condolências à família de um amigo, Ricardo Teixeira, treinador do Fontelas, que perdeu a vida num acidente de viação, no domingo, na A24.