Terça-feira, 3 de Dezembro de 2024
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O Ano Paulino: Astros, mediadores e Colossenses

1- Quem passa pelas nossas cidades ou folheia os jornais diários encontra facilmente anúncios de tudo, desde farmácias e ervanárias até médiuns e curandeiros, tarotes e cartomantes, gurus e cientologia, pesquisadores de signos e astrólogos. Nuns casos, os seus agentes dizem limitar-se à exploração de forças naturais, como as plantas ditas medicinais e a influência da lua e outros astros; noutros casos, já falam da influência de almas e espíritos; e em alguns, invoca-se a presença do demónio.

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A imigração brasileira e africana fez aumentar essas actividades entre nós, no interior do país, carecido de assistência médica e medicamentosa, e também nas grandes cidades, incluindo Paris e outras terras iluminadas. Do lado oposto, dentro de algumas capelas encontram-se acesas e a esmo velas brancas e encarnadas.

Tudo isto faz lembrar a problemática da carta de Paulo aos Colossenses e sugere a sua leitura.

2 – Colossos é hoje um monte de terra. A antiga cidade situava-se a duas centenas de km a leste de Éfeso e próxima da antiga Laodiceia, no sul da actual Turquia. Conhecera dias de glória na época de Xerxes e de Ciro, e nessa região florescera em séculos pré-cristãos um pensamento filosófico de natureza cosmológica. No tempo de Paulo Colossos já era uma cidade secundária, onde ele nunca esteve, destruída por um terramoto no tempo de Nero.

O fundador da comunidade cristã de Colossos foi Epafras, um homem dali natural e ouvinte de Paulo em Éfeso. Constituíam a comunidade de Colossos os nativos, alguns colonos gregos e judeus helenizados. Eram também de Colossos Filémon e Onésimo e Arquipo. A carta de Paulo ficou a dever-se a Epafras que, durante uma visita que fizera a Paulo na prisão, em Roma, o informou da vida cristã da comunidade e pediu uma ajuda por causa da confusão nela reinante pela mistura de filosofias locais, observâncias judaicas de festas, luas novas e culto dos anjos, práticas dos mistérios orientais e iniciações rituais da fertilidade e crença em forças cósmicas, temas que ultrapassavam a capacidade cultural de Epafras.

Havia-se gerado ali uma corrente ascético-mística com abstinências e êxtases e uma salvação esotérica baseada em «conhecimentos subtis mais perfeitos», a lembrar um gnosticismo incipiente. Nessa mistura de misticismos, Cristo deixava de ser o Salvador e o Mediador único para se converter em mais um dos muitos mediadores cósmicos.

Paulo conhecia a tradição judaica segundo a qual a Lei fora entregue a Moisés no monte Sinai através do ministério dos anjos, conhecia também o pensamento helenista, e comungava do esquema «científico» da época que falava de camadas cósmicas sobrepostas, os «céus» (2Cor12,2;Ef4,10), uma estrutura cultural derivada da narrativa do Génesis. Mais que hereges, os colossenses eram gente baralhada.

3 – Paulo fornece uma ajuda por meio de uma carta rápida e combativa, cujo tema seria retomado com mais profundidade na grande carta aos Efésios. Aconteceu aqui algo semelhante ao que havia acontecido com os Gálatas: gente também perturbada a quem Paulo adverte com uma carta viva e nervosa e cujo tema desenvolveria depois na carta aos Romanos.

A carta de Paulo aos Colossenses não desce à análise de cada um dos temas causadores da desordem mental, mas vai directa ao núcleo da questão: Cristo é o único Salvador e Mediador, nada valendo filosofias humanas nem ritos judaicos antigos nem forças cósmicas. Cristo encarnado, morto e ressuscitado, operou a reconciliação do mundo, nada podendo comparar-se a Ele, seja qual for a influência das forças naturais, cósmicas e dos anjos. A base doutrinária da carta é o famoso hino cristológico (1,15-20) que apresenta Cristo em duas fases: uma antes da Criação, o Verbo eterno, invisível mas já presente na obra da Criação; a outra depois da Encarnação, que tornou Cristo visível, o qual, pela Ressurreição, se tornaria também o «Primogénito dos mortos». Deste modo, Paulo cai à raiz de tudo e argumenta com a própria criação: todas as coisas criadas (visíveis e invisíveis) estão duplamente sujeitas ao poder de Cristo, por serem criaturas suas e por serem salvas por Ele, não podendo ser suas rivais. «Tudo foi criado por Ele e para Ele». Cristo é o «princípio de tudo»: como Criador é a «Cabeça do Universo» e por ser o «Primeiro dos ressuscitados» é a «Cabeça da Igreja».

Nessas duas cartas (Colossenses e Efésios) e, antes delas, na carta aos Filipenses, aparecem hinos cristológicos, mas com perspectivas diferentes: enquanto o hino da carta aos Filipenses refere Cristo como Redentor, a carta aos Colossenses apresenta-O sobretudo como Criador, e a carta aos Efésios como Cabeça da Igreja ou o «Mistério», o «Plano eterno de Deus» revelado em Cristo. Deste modo, Cristo é a Cabeça da Criação, da Redenção e da Igreja entendida como Corpo Místico de Cristo.

A carta inclui ainda a afirmação da estima de Paulo pelos Colossenses e da sua condição de Apóstolo, reforçando assim a sua argumentação. Termina com uma exortação à piedade cristocêntrica, saudações afectivas dos colaboradores de Paulo e a assinatura pessoal feita em «letras grandes».

4 – O ambiente pastoral citado nesta carta repete-se hoje, com uma diferença fundamental: o problema dos Colossenses nascera da «excessiva religiosidade» de um povo que tudo sacralizava, não distinguindo a acção directa de Deus da que Ele exerce através das criaturas ou causas segundas; actualmente é o oposto, uma cultura laica e agnóstica onde «nada é sagrado nem religioso» e as ditas causas segundas são as únicas.

Mas como o espírito humano não vive sem a dimensão religiosa, ela renasce por toda a parte em expressões religiosas de «substituição». «Quem não acredita em Deus acredita em tudo», e daí o paradoxo da cultura actual que, afirmando–se oficialmente descrente, anda cheia de superstições! Na falta de Deus, a linguagem sagrada desviou-se para as coisas criadas e criou ídolos: não se adora a Deus, e passam a «adorar-se» a comida, os amigos, os carros e a paisagem; deixam-se as igrejas, e vai-se aos estádios como «catedrais» do novo culto; o casamento celebra-se no civil, mas pede-se uma «bênção» furtiva das alianças ou tira-se uma «foto» às portas da catedral; não se aceitam os «sacramentos», mas os interrogatórios dos polícias, dos juízes e professores fazem perguntas «sacramentais»; não se fala de graça nem de pecado, mas os primeiros anos do exercício do poder constituem o «estado de graça». E por aí adiante!

A carta aos Colossenses ajuda a compreender por que razão o Concílio insiste na educação do espírito crítico dos fiéis, ensinando-os a pensar correctamente, distinguindo a perspectiva científica e religiosa, aquilo que Paulo VI chamava a pré-evangelização. De facto, uma das desgraças do nosso tempo reside na falta de disciplina mental, mesmo em universitários e classes dirigentes, que cometem verdadeiros despotismos sobre a natureza, sobretudo na área da bioética, criando palavras sem sentido como «homoparentalidade», confundindo igualdade democrática com igualdade biológica. Tudo isso para encobrir militâncias ideológicas e políticas. É o triunfo da sofística.

Compreende-se ainda o apelo do magistério da Igreja à prática de uma piedade cristocêntrica. Quem gostar do P. Teilhard de Chardin pode descobrir a causa do seu êxito junto dos evolucionistas ao fazer convergir para Cristo, o ponto Ómega do Universo, a arqueologia, a biologia e a teologia. Neste final do Ano Paulino, coincidente com o mês de Junho dedicado ao Coração de Cristo, vale a pena ler a carta de Paulo aos Colossenses e meditar os hinos cristológicos (Fl 2, 6-17; Cl 1, 15-20; Ef 1, 3-14).

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