Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2024
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Produtos tradicionais esperam e desesperam por Protecção Comunitária

Uma longa lista de produtos típicos do distrito de Vila Real aguarda o estatuto de protecção Comunitária, para ficar abrangido pela Indicação Geográfica Protegida, IGP. Só a Cooperativa Agrícola de Boticas - Capolib - tem 15 produtos a aguardar esta classificação, na sua maior parte, fumeiros, mel e pão. As Câmaras de Chaves e Valpaços apostam respectivamente, no Pastel de Chaves e no Folar, como produtos a certificar a qualificar como uma IGP.

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Neste âmbito, também Vila Real tem dois produtos que aguardam há alguns anos este mesmo processo: a olaria negra de Bisalhães e o linho de Agarez. Mais a Norte, os linhos e os milhos de Ribeira de Pena são outras mais-valias para qualificar. Mas, porventura, há mais produtos que poderiam figurar na extensa lista, como os rebuçados da Régua, os pastéis de Murça, o cabrito bravio do Alvão, os granitos de Vila Pouca de Aguiar, a castanha da Padrela, (esta já com DOP criada), os vinhos dos Mortos, as carnes maronesa e barrosã, e os cruzados dos lameiros do Barroso.

Os municípios e as associações apontam a burocracia, a morosidade da elaboração e a conclusão de cada processo, como sendo os principais entraves ao decorrer linear de cada processo. Para cada qualquer produto, tem que ser reconhecido um Organismo Privado de Controlo e Certificação, o qual deve proceder à verificação sistemática do cumprimento das regras de produção constantes do Caderno de Especificações, que está na base da protecção. Além disso, em Portugal, o nome em causa é previamente reconhecido por despacho de um membro do Governo, após consulta pública e por um parecer da Comissão Consultiva Interprofissional para a Certificação dos Produtos Agro-alimentares.   Depois, terá de haver um parecer favorável da Comissão Europeia e uma votação favorável ao nível dos 15 Estados membros da União Europeia. Por aqui se concluiu, as voltas que se têm de dar para a atribuição de uma IGP a qualquer produto tradicional.

Uma das associações que tem lutado contra esta excessiva carga legal burocrática é a Associação Nacional de Municípios e de Produtores para a Valorização e Qualificação dos Produtos Tradicionais Portugueses (QUALIFICA). Esta agremiação conta já com a adesão das Câmaras de Lamego e Boticas e, no futuro, será a de Chaves e de Ribeira de Pena. Integram ainda Qualifica, a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Batata para Semente de Montalegre, COAAGRIMONTE, Cooperativa Agrícola de Boticas, CAPOLIB, Associação de Olivicultores de Trás-os-Montes e Alto Douro.

O presidente da Cooperativa Agrícola de Boticas, Albano Alvares, expressou o seu desagrado com a morosidade na atribuição da IGP. “A nossa cooperativa tem já quinze produtos classificados com Indicação Geográfica, IG, mas falta a IGP. Todo o processo já teve publicação em Diário da República, mas estamos a aguardar, desde 2006, uma decisão do Ministério da Agricultura para avançar com o processo para Comunidade Europeia”.

Ana Soeiro, secretária-geral e fundadora da Qualifica, abordou esta temática, ao Nosso Jornal, e deixou um conjunto de considerações interessantes. “Em Trás-os- -Montes falta qualificar quase tudo. Não direi tudo, evidentemente que não, porque já há uns 30 nomes de produtos que já estão qualificados. Porém, a região tem fumeiro, couves, grelos, nabos, carnes, muita pequena produção de pão, como bolas, pães de centeio, bolas recheadas com carnes, coisas magníficas, que estão por qualificar. Ou seja, são dezenas de produtos que podem e devem ser qualificados porque se não forem, os consumidores perdem delícias gastronómicas. Se não tiverem quem os apoie, os produtores perdem capacidade e desistem. Qualquer dia, as pessoas limitam-se a comer frangos de aviário produzidos não se sabe onde, de que sítio do mundo vêm”. Ana Soeiro apontou como exemplo “do marasmo”, o caso do fumeiro e os produtos de panificação de Boticas que estão no Ministério desde 2006, e que já foram publicados no Diário da República e não há avanços para a IGP. “Em Boticas temos os produtos de fumeiro: salpicão, alheira a chouriça, temos três produtos de panificação, e os rojões na banha e no mel, coisas que mais ninguém na Europa produz”.

O Município de Chaves vai aderir à Associação Nacional de Municípios e de Produtores para a Valorização e Qualificação dos Produtos Tradicionais Portugueses, tendo já sido aprovada esta decisão em reunião de Câmara, do dia 15 de Março. Chaves possui um enorme capital em produtos agrícolas e agro-alimentares, cuja defesa tem sido e continua a ser um dos objectivos da autarquia. A ideia passa por potenciar o trabalho já desenvolvido pela autarquia flaviense em matéria de valorização dos produtos, como o Pastel de Chaves, produto sobre o qual a Qualifica está a debruçar-se. “Já falei com o representante do agrupamento e com a Câmara Municipal. Já temos todos os documentos que estavam parados no Ministério. Agora, num curto espaço de tempo, pensamos concluir o processo”, disse Ana Soeiro.

Confrontada com a situação da Olaria Negra de Bisalhães, esta responsável deixou no ar uma possível colaboração. “Nós estamos a trabalhar com os barros de Nisa, com os Barros Negros do Olho Marinho, porque é que não havemos de trabalhar com os Barros de Bisalhães?” Em relação a Trás-os- -Montes, a cereja de Alfândega da Fé é outro produto que está a “ser trabalhado pela Qualifica”.

Para alterar este estado de coisas, Ana Soeiro fez um desafio. “O senhor ministro da Agricultura deve entregar-nos a gestão destes assuntos, que nós despachamos tudo em três meses. Já lhe fizemos a proposta, agora estamos à esperta da resposta para acelerar todos os processos”.

Por fim, manifestou alguma apreensão quanto à preservação da identidade dos produtos da região. “Tudo o que é tradicional está a perder a tipicidade e carácter distintivo. Os processos são difíceis, há exigências legais para além do necessário. Excesso de precaução e de medidas de segurança, confusão entre higiene alimentar e esterilização hospitalar, falta de bom senso, de razoabilidade e de humildade. Estas medidas foram feitas para acabar com o pequeno produtor”.

Estas declarações foram recolhidas durante a realização do Seminário “Qualificação vs Um Futuro Melhor/I Mostra de Produtos Tradicionais das Terras de Basto”, que decorreu, na sexta-feira, no Auditório Municipal de Ribeira de Pena, integrado no Programa da Semana da Floresta.

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