Por isso, para a habitual colaboração neste jornal, trago para aqui o encontro do Santo Padre com as Organizações da Pastoral Social da Igreja em Fátima, na tarde do dia treze de Maio, um encontro especialmente aguardado e que constituiu um momento alto e duradouro da Visita de Bento XVI.
O acto solene realizou-se na Basílica da Santíssima Trindade, e para esse encontro foram convidados os Centros sociais paroquiais, a Caritas nacional e as secções diocesanas, as Misericórdias e Conferências Vicentinas, as Instituições Particulares de Solidariedade Social e outros grupos de acção social, de modo que o vasto espaço encheu completamente. Assistiu também, a título pessoal, a Ministra da Saúde, Dr. Ana Jorge.
Na saudação dirigida ao Santo Padre e apresentação da assembleia, D. Carlos Azevedo falou da presença de «Instituições movidas por diferentes fontes espirituais e que optam por diferentes estilos de acção, desde a entrega aos mais carecidos até aos que lutam pela defesa dos direitos humanos e defesa da criação». É a proclamação de uma espécie de ecumenismo social numa assembleia formada por instituições cristãs (umas vinculadas oficialmente à hierarquia e outros de carácter privado) e por outras não cristãs mas que quiseram ouvir a mensagem de sabedoria da Igreja ai veiculada pelo Papa, autor de documentos recentes de grande impacto no mundo social (encíclicas «Deus é Amor» e «Verdade na Caridade»), abundantemente citados.
2 – Na sua mensagem, o Santo Padre teve em conta aquela pluralidade pedindo que «as instituições da igreja trabalhem unidas às não eclesiais. O Papa lembrou ainda que, quando trabalham «em cooperação com os Organismos do Estado para atingir fins comuns», é fundamental «conceder à actividade caritativa cristã autonomia e independência perante a política e as ideologias».
Às instituições da Igreja recomendou que «melhorem os seus conhecimentos e orientações, de modo que seja clara a sua orientação quanto aos objectivos, à escolha de recursos humanos, aos métodos de actuação, à qualidade dos serviços e gestão séria dos meios». Essa formação deve fazer-se pelo conhecimento da doutrina da igreja, «que não se reduz a mero conhecimento intelectual mas gera uma sabedoria de sabor e tempero». É também à luz dessa doutrina que deve fazer-se a «análise da crise actual», análise que leve a compreender que a crise não é puramente técnica, mas ética, e implica por isso a «conversão» dos cidadãos e dos responsáveis financeiros e economistas
Foi ainda lembrado que a acção social da Igreja não é puramente assistencial (dar de comer, dar agasalho, dar emprego), mas inclui tarefas educativas e escolares e de empenho político.
Esta última área é própria dos leigos, é mesmo vedada aos clérigos, e, por isso, a acção dos pastores, «atentos ao futuro», consiste, nesta área, em «atrair novos leigos para este sector e formar uma geração de líderes servidores».
Aqui está um ponto-chave. Num discurso feito em Roma alguns dias após o regresso a Roma, o Papa afirmou haver carência de políticos cristãos, sendo indispensável prepará-los.
3 – É difícil agir de modo cristão na vida política, «não sendo fácil conseguir sempre uma síntese satisfatória da vida espiritual com a acção apostólica, nem havendo soluções imediatas para os problemas que surgem, mas ao menos tem de se formar «pessoas para os outros», isto é, gente capaz de amar o Bem Comum acima do interesse pessoal e do partido, egoísmos muito difíceis de vencer.
Um dos grandes obstáculos à acção cristã na área social e política é a «pressão exercida pela cultura dominante que apresenta um estilo de vida fundado pela lei do mais forte, do lucro fácil e fascinante, e que impele a buscar soluções na lógica da eficácia, do efeito visível e da publicidade».
Estas palavras denunciam uma política mecanizada e pagã e o Papa concretiza o seu discurso ao exprimir «profundo apreço pelos que lutam contra os mecanismos sócio-económicos e culturais que levam ao aborto e, numa perspectiva diferente, eles defendem a vida, empenham-se na cura das pessoas feridas pelo drama do aborto, e lançam iniciativas que visam defender a vida desde a concepção e a família fundada sobre o matrimónio indissolúvel de um homem com uma mulher». São esses cristãos que respondem «a alguns dos mais insidiosos desafios que hoje se colocam ao bem comum».
5 – Mais uma vez, o discurso do Papa apresenta-se claro, denso e sintético, quase cirúrgico. Quem anda habituado aos discursos barrocos e palavrosos corre o perigo de não reparar na profundidade e realismo da mensagem. Por isso, permito-me sublinhar algumas passagens.
Em primeiro lugar, a necessidade de, na área social, saber trabalhar com os outros, mesmo que não sejam cristãos. Não significa isto que tudo é igual, porque as intenções e motivações do cristão nascem do amor a Jesus Cristo, o samaritano inspirador e fonte de acção cristã, mas, como o objectivo é a acção concreta, as mãos podem encontrar-se, mesmo quando a cabeça é diferente. Adverte, porém, que os Estados não podem desvirtuar as instituições particulares nem manipulá-las pela simpatia partidária ou objectivos políticos.
Em segundo lugar, entender que a actividade política se inclui na acção social cristã como um modo de ajudar os outros, e não como um meio de se afirmar e de enriquecer, e os Pastores da igreja, se querem andar atentos ao futuro, devem atrair leigos para essa actividade.
Que mundo se levanta aqui! Há, de facto, a ideia feita de que a política é algo sujo, marginal, só para gente sem moral nem princípios, e os cristãos sérios não devem meter-se nela. Essa ideia deixa a política entregue aos que querem exercer o poder de qualquer modo, e tudo se corromperá. Nuns casos é o poder que corrompe a sociedade, noutros é a sociedade que corrompe os detentores do poder ao querer ser atendidos seja como for. Andamos um pouco naufragados neste mar. A solução a médio e a longo prazo passa pela formação de políticos de alma cristã, como os fundadores da Comunidade Europeia, cujo espírito está a ser, desgraçadamente, substituído pelo laicismo. Não é que o Papa promova o regresso ao chamado «integrismo político». Já bastou o estilo medieval e o actual integrismo islâmico de alguns países. Mas, sem cair nessa colagem, é urgente criar políticos com alma cristã.
Finalmente, o alerta para a cultura da eficácia. Grita-se frequentemente por coisas práticas, rápidas, eficazes. Ouve-se isto na saúde, na educação geral e na educação sexual, na vida do casal, no planeamento familiar, e até nas coisas religiosas (missas, comunhões, crismas, casamentos). Cai-se assim no império da máquina e nas leis feitas ao jeito das paixões e da cabulice. Assim nasceram as leis do divórcio, do aborto, do casamento homossexual e, Deus não o permita, da eutanásia.
Aparentemente, todos os problemas estão resolvidos, deu-se liberdade aos cidadãos. Rigorosamente, porém, tudo está aldrabado, feito à pressa: são leis que não corrigem nada, encobrem os vícios, política sem valores.