No final da missa, às 10h00, no átrio do santuário, reúnem-se os dois grupos, o “Velho” e o “Novo”, que vão leiloar o andor, que pesa perto de mil quilos. Os grupos tentam angariar dinheiro até ao último minuto, num frenesim nunca visto, porque “é uma honra” levar o andor aos ombros até à vila.
Quem vencer a disputa renhida, carrega o andor na procissão da manhã, que sai do Santuário até à vila, num percurso íngreme de cerca de dois quilómetros. Na terça-feira, o mesmo grupo regressa com o andor desde a Igreja Matriz até ao Santuário.
GRUPO NOVO
A direção do Grupo “Novo” está demissionária, mas nem por isso o entusiasmo da arrematação do andor esmoreceu. É isso mesmo que nos revela Francisco Machado. “Está garantida a nossa participação na festa. Eu assumi a responsabilidade até ao fim da festa e depois logo se vê o que irá acontecer. Iremos reunir para abrir candidaturas a quem quiser formar uma nova direção e depois segue-se a votação para ver quem irá ocupar o lugar de presidente do grupo”.
Antigamente só existia o Grupo “Velho”, no entanto, segundo conta Francisco Machado, o seu falecido pai fez parte de um grupo com meia dúzia de homens que num fim de semana, “talvez já tocados”, se lembraram de fazer um segundo grupo. “Assim foi criado o Grupo “Novo”. No entanto, foi muito difícil para as pessoas abraçarem esta causa, pois foram muito criticadas. Hoje, já lhe dão outro valor, porque existe uma rivalidade construtiva, ao contrário do que existia há uns anos”.
“Somos um grupo dinâmico, trabalhador, que se baseia nas tradições e o objetivo passa sempre por melhorar”
FRANCISCO MACHADO
GRUPO NOVO
Num percurso trilhado a pulso, o Grupo “Novo” esteve quase a extinguir-se, mas “o ainda presidente, com a minha ajuda e de outros sanfinenses e forasteiros, pegou nele e temos vindo sempre a participar com sucesso, já que nas últimas duas edições fomos nós que ganhámos. Estivemos dois ou três anos sem pegar, mas era normal, pois éramos em muito menor número”.
O mesmo responsável carateriza o grupo como “dinâmico, trabalhador, que se baseia nas tradições, em que o objetivo passa sempre por melhorar”.
Para este ano, as expectativas são as melhores. “Em primeiro lugar, que seja uma festa em que toda a gente tenha saúde, se divirta e faça a sua parte. Ganhar está sempre na nossa mente”, confessa, acrescentando que “fizemos um bom trabalho, mas não será fácil. Nas últimas duas edições, o grupo deve ter deixado cerca de 79 mil euros à associação. Depois houve a pandemia e não se fez o peditório. Agora, vamos ver como as pessoas vão reagir. Espero que reajam bem, para que a tradição não acabe, porque fazemos isto por carinho e amor”.
Francisco Machado aproveita para deixar “um agradecimento” a todos os emigrantes, que regressam em força à região nesta altura do ano.
GRUPO VELHO
O empresário da construção civil, António Azevedo, 51 anos, é o presidente do Grupo “Velho” há três anos. Desde tenra idade, o pai incutiu-lhe o gosto pela romaria, que faz parte da vida dos sanfinenses. “As minhas filhas também fazem parte do grupo, desde que nasceram”, numa romaria que significa muito para os naturais de Sanfins do Douro. “Para mim é tudo”, diz emocionado, adiantando que, a seguir à sua família, o Santuário de Nª Srª da Piedade “é o que mais estimo na vida”. “Sou uma pessoa de fé. Podiam pagar-me as férias mais paradisíacas do mundo, mas não trocava esta celebração por nada, porque é única. Só quem é sanfinense é que vive isto de alma e coração”.
“Não trocava esta celebração por nada. Só quem é sanfinense é que vive isto de alma e coração”
ANTÓNIO AZEVEDO
GRUPO VELHO
Depois de ter perdido a arrematação do andor nas últimas duas edições, este ano estão confiantes na vitória. “Temos boas expectativas, penso que vamos ganhar. Mas não sabemos o que vai acontecer na arrematação. Não sabemos o que vai na cabeça e na carteira do outro grupo”, diz confiante, adiantando que o importante é honrar esta tradição. “Só somos rivais durante um quarto de hora, em que representamos cerca de metade da população da vila, não só dos que aqui vivem, mas também dos que estão fora e gostam de celebrar, numa união sã, de amizade, pois temos amigos nos dois grupos”.
Fazer parte do grupo “é fácil” e qualquer pessoa pode participar, “basta dar uma contribuição e passa a ser membro”, explica António Azevedo, lembrando que desde pequenos ficam enraizados com esta tradição. “Toda a minha vida me lembro do meu pai ser membro do grupo. Isto é um o bichinho que nos pega e depois a gente ganha amor próprio a esta grande romaria”.
Os tempos mudam e as verbas alcançadas nas últimas edições foram “muito elevadas”, conta o presidente do Grupo “Velho”. “Antigamente, as famílias eram mais numerosas e havia mais dificuldades. Mas vivia-se com aquilo que se tinha”. No entanto, “hoje, as pessoas têm mais moderação em contribuir, porque atingimos valores que eram impensáveis naqueles tempos”.
Mesmo com a pandemia e com a guerra, as pessoas “estão a sacrificar-se e continuam a ter muito orgulho para que a tradição não acabe. Acredito que não está em risco, mas acho que as verbas serão diminuídas, porque o nível de vida está cada vez mais caro. Temos de fazer contas para ver o que poderemos dar para o andor”, sustenta o empresário.
Com mais de 300 pessoas, o Grupo “Velho” acredita que vai “vencer” a batalha da arrematação. Depois segue-se o percurso na procissão. “É duro, por causa do calor que normalmente se faz sentir. Depois nem todos têm a mesma estrutura para aguentar, mas temos de encontrar o equilíbrio”. No entanto, “Nossa Senhora ajuda-nos e não custa nada”, finaliza António Azevedo.
No dia 14 de agosto, os responsáveis pelos dois grupos estarão no palco, com uma multidão à sua volta para ver quem tem a honra de carregar o andor de Nª Srª da Piedade pelas ruas da vila.
HORÁCIO “O HOMEM DA CRUZ”
Aos 72 anos, Horácio Gonçalves é o único que sobe ao poste de alta tensão para mudar as luzes da cruz.
Depois de mais de 30 anos a trabalhar nas barragens, o serralheiro mecânico diz que “não tem medo” de subir ao poste. “Apreendi um pouco de tudo e também perdi o medo, porque tínhamos de fazer várias coisas nas alturas”, revela, adiantando que ajuda por gosto, sem esperar nada em troca. “Sempre gostei de ajudar”, afirma.
Apesar de ser natural de Cerva, no concelho de Ribeira de Pena, Horácio casou em Sanfins do Douro e por aqui ficou. Agora, que já está reformado, é sempre muito solicitado para ajudar naquilo que pode e sabe. “Enquanto tiver força, vou continuar a ajudar quem me pedir, porque gosto”.
Sobre a romaria, Horácio lembra que as gentes de Sanfins do Douro “têm muita fé à Senhora da Piedade e eu também. É muito acarinhada pelos sanfinenses”.
Durante as festividades, estará pronto para subir novamente ao poste para dar mais brilho ao Santuário. Além disso, irá atuar no sábado, quando o Rancho Folclórico subir ao palco, uma vez que faz parte do grupo, que continua a manter as tradições na vila de Sanfins do Douro.