Qual a tua primeira memória ligada ao futebol?
Desde que me lembro, andava sempre com uma bola debaixo do braço. Vou contar uma história engraçada que me aconteceu quando andava na escola. O meu padrinho era emigrante na Alemanha e numa das vezes que veio a Portugal ofereceu-me umas chuteiras (Puma Eusébio). Eu ia para a escola e levava-as na mochila. Entretanto, a meio do caminho trocava os meus sapatos pelas chuteiras. Um certo dia, a professora mandou-me ao quadro, levantei-me e lá fui pela sala acima, com o barulho ‘toc-toc’ das chuteiras. Foi uma risada geral. A minha mãe foi chamada à escola e ouviu o discurso de sempre: “ele é muito bom aluno, inteligente, mas só pensa em futebol”.
Mais a sério, começou a jogar num torneio inter-freguesias, com 10 ou 11 anos, e as coisas correram bem. Toda a gente dizia que tinha muito jeito para guarda-redes, comecei a acreditar, e nunca mais deixei a baliza, a minha grande paixão.
Quem era o teu ídolo ou quem mais te inspirava?
Admirei guarda-redes dos mais variados tempos e estilos, como Bento, Damas, Michel Preud’homme, Peter Schmeichel, Vítor Baía, Buffon, Casillas, mas havia um que de facto me dizia mais qualquer coisa e com o qual me identificava, o Ângelo Peruzzi.
Começas no SC Régua (juvenil e júnior) depois Pesqueira e Tabuaço, de seguida dás o salto para o FC Marco, que estava noutro patamar. Como surgiu o convite?
Não, comecei no Folgosa do Douro, num torneio distrital, e em que ficamos em terceiro lugar, só perdemos com o Académico de Viseu e com o Repeses. Joguei no SC Armamar como juvenil e no final desse ano fui convidado para ir treinar à experiência no Benfica, mas não fiquei. Fui procurar outro clube e o meu tio falou com o treinador do SC Régua (mister Zé Maria) e convidaram-me logo a assinar. Depois, no segundo ano de júnior, joguei no Régua no campeonato Nacional. No final dessa época, o Régua quis que eu ficasse, mas ofereceu-me uma esmola, e pensei seriamente em deixar o futebol. Entretanto, fui para a Pesqueira, joguei no Tabuaço, e foi aí que me cruzei com algumas pessoas que me fizeram acreditar em seguir o meu sonho, ser jogador profissional. Cruzei-me com dois senhores que me ajudaram imenso, o professor Edgar Borges e o diretor do clube, o Fernando Alves, que me ajudaram a ir para o Marco, onde senti que o meu sonho começava a tornar-se realidade. Foi muito bom.
Dez épocas no Marco, pelo meio o SC da Covilhã (quatro épocas). Dois clubes onde houve títulos importantes. Como classificas essas duas experiências?
O Marco foi o clube que me deu a oportunidade de ser profissional, o que foi marcante, para além da experiência e dos títulos. Também me marcou a nível pessoal, pois foi lá que conheci a mulher com quem casei e com quem tenho dois filhos maravilhosos. No Marco comecei a ter projeção e fui campeão nacional da II Divisão B.
No SC Covilhã, recebi o convite do mister Henrique Nunes, em que foram quatro épocas maravilhosas. Fui campeão nacional da II Divisão B e depois tive a oportunidade de jogar nos campeonatos profissionais, neste caso na II Liga. Logo no primeiro ano, cometemos a proeza inédita no clube até então, de subir à II Liga e não descer. Nesse ano, fui considerado o melhor guarda-redes da II Liga.
Quando foste considerado o melhor guarda-redes da II Liga, pensaste que poderias dar um salto ainda maior na carreira? Houve convites por parte de clubes da I Liga?
Sim, surgiram alguns convites de clubes da I e II Liga. Comecei a ver o meu sonho de chegar à I Liga à minha frente, mas infelizmente não aconteceu. E como tinha contrato com o SC Covilhã, eles salvaguardaram os seus interesses e não facilitaram a minha saída. O sonho ficou adiado e não o concretizei como jogador, mas felizmente já o concretizei como treinador de guarda-redes.
Em 2005/06, na segunda passagem pelo FC Marco há um jogo contra o FC Porto no Dragão para a Taça de Portugal, onde a crítica te elogiou muito, onde sofreste apenas um golo, marcado por Ivanildo, com a bola a entrar no ângulo. Qual a sensação de pisar um palco daqueles contra uma das melhores equipas portuguesas?
A minha segunda passagem pelo Marco resume-se a uma primeira época muito boa, na qual estivemos a um passo de subir à I Liga. A segunda até começa bem, mas termina da pior maneira, com uma descida de divisão e salários em atraso.
Dessa noite no Dragão, guardo sensações maravilhosas, muito público, um grande estádio, os meus pais, a minha família e amigos na bancada e um grande adversário. A certa altura comecei a contemplar todo aquele ambiente e pensar para mim: “foi para isto que lutei tanto e tive a certeza que era capaz de jogar aquele nível”.
Seguiram-se oito épocas no Amarante.
Sim, subimos duas vezes para a II Divisão Nacional. O desafio surgiu por um amigo, que foi meu colega no Marco e que era na altura o treinador do Amarante FC, o Moura da Costa.
Foram oito épocas muito boas, num clube que me acarinhou e onde conheci pessoas fantásticas.
O clube proporcionava boas condições de trabalho fizemos épocas muito boas, onde se destacaram o guarda-redes Cláudio Ramos do Tondela; o Tiago Rodrigues, que chegou ao FC Porto; o Bruno Alves, que jogou no Vitória de Guimarães; o Diogo Lamelas, também foi para o Vitória; o Marquinhos, o Pedro Carneiro, que jogou no Boavista e outros. Foi um orgulho enorme ter representado um clube com a história do Amarante FC e ter sido capitão.
Depois de Amarante, jogas duas épocas no Cinfães, onde terminas a carreira. Que sentimentos ficam na altura de pendurar as luvas?
Depois de Amarante, o professor Arlindo Gomes convidou-me para ir com ele para Cinfães. O objetivo era dar experiência à equipa e estabilidade ao balneário, o que foi conseguido, de tal forma que andamos a lutar pelo play-off de subida até à última jornada.
No final da segunda época disse ao professor que tinha sido o meu último jogo, pois a minha carreira acabava ali. As lágrimas surgiram sem conseguir controlar, num misto de tristeza por ter chegado ao fim o meu caminho como jogador e alegria por ter feito uma carreira engraçada. O professor convidou-me para fazer parte da equipa técnica e aceitei.
Uma ressalva apenas: “as luvas não se penduram… uma vez guarda-redes, guarda-redes para sempre”.
Surgiram novas experiências no Gil Vicente e mais recentemente nos sub-23 e equipa A do Belenenses SAD. Será que vamos ver o Celso num projeto de topo?
Foram experiências muito boas. O Pedro Ribeiro convidou-me para fazer parte da sua equipa técnica, apesar de não me conhecer. Foi um amigo comum que me indicou e falei com ele durante algum tempo, colocou-me o desafio e eu aceitei na hora. Acredito no meu trabalho e também no do Pedro, que tem um enorme potencial vai fazer uma carreira de topo, assim como a nossa equipa técnica, da qual também fazem parte o Hélder Baptista e o Rui Valente. Depois de chegar tão rápido à I Liga, espero que novos projetos surjam para dar continuidade ao que temos feito, de forma a que o nosso trabalho seja reconhecido.
Que te falta fazer ou sonhos que ainda tens no futebol ou na vida?
Quero atingir o topo, é para isso que trabalho. Costumo dizer: “I have a dream” (eu tenho um sonho) e o futuro é já ali.
Tudo isto não teria sido possível sem o sacrifício e apoio dos meus pais, irmãs, esposa e filhos.
CELSO SIMÃO
Profissão: Treinador
de guarda-redes
Idade: 46
Filhos: 2
Naturalidade: Folgosa
do Douro (Armamar)