Há histórias que, tal como muitos golos, são dignas de ficarem registadas, para mais tarde recordar. É o caso da história de Tomás Matos. Natural de Santa Marta de Penaguião, tem 15 anos e 75% de incapacidade. Nasceu prematuro, às 25 semanas, e tem dois irmãos gémeos, o Afonso, que tem 95% de incapacidade, e o Bernardo, que não ficou com sequelas.
“Tem sido uma boa experiência, os meus colegas de equipa
ajudam-me muito”Tomás Matos, jogador
Tomás tem consciência da sua condição, mas nunca desistiu de jogar futebol, apesar da paralisia cerebral lhe afeta os movimentos dos membros, bem como os músculos de um lado do corpo.
Contra todas as expectativas, acabou mesmo por entrar em campo no final de outubro, no jogo entre o Vila Real e o Santa Marta de Penaguião. A sua equipa perdeu por 4-0, mas acabaria por “marcar” o golo mais importante de todos e quem viria a ganhar seria a inclusão.
À VTM, Tomás confessa que quando se apercebeu que ia entrar “senti uma enorme alegria” e quando entrou em campo “fiquei muito emocionado”.
Emocionado ficou, também, o pai, Nuno Matos, que, curiosamente, é o presidente do clube. “Fiquei sem palavras, é um momento que nem consigo descrever”, afirma, revelando que “é algo que não acreditávamos que pudesse acontecer. Perdemos o jogo, mas o Tomás realizou o seu sonho e o sorriso dele valeu por tudo”.
SOCIEDADE CRUEL
Apesar de muito se falar de inclusão, ainda há um longo caminho a percorrer. Prova disso é que, quando o Tomás se preparava para entrar em campo, alguém, na bancada, questionou a decisão do treinador. “Este rapaz nem sabe correr, o que é que vai para ali fazer?”, ouviu-se. Felizmente, houve quem se dirigisse a essas pessoas, que se remeteram ao silêncio.
“Perdemos o jogo, mas o Tomás realizou o seu sonho. O sorriso dele valeu por tudo”
Nuno Matos,
presidente FC Santa Marta
“O Tomás tem 15 anos, está super feliz e eu sou um pai muito orgulhoso”, afirma Nuno Matos, lembrando que “ele sempre pediu para jogar futebol, mas nós, pais, tivemos algumas reticências, não por duvidarmos das suas capacidades, mas por causa da sociedade, que consegue ser muito cruel. Acabou por vir, o irmão joga na mesma equipa e os colegas receberam-no muito bem”.
O presidente do clube espera que “este seja um exemplo e uma oportunidade para que outras crianças possam realizar os seus sonhos”, vincando que “foi algo que aconteceu de forma natural, nunca pressionei o treinador para que o colocasse a jogar. A única coisa que lhe pedi foi para o deixar treinar, para o integrar no grupo e assim fazer o que gosta. Ele decidiu dar-lhe esta oportunidade e claro que fiquei contente, afinal de contas, formação é isto mesmo, ou devia ser”.
O FUTEBOL “É ISTO”
“Tem sido uma boa experiência, os meus colegas de equipa ajudam-me muito”. Quem o diz é o protagonista desta história, Tomás, que aos olhos do seu treinador é “um menino normal e um atleta como os outros”.
João Ricardo, de 21 anos, é treinador da equipa de juniores e joga a lateral nos seniores. Apesar da incapacidade de Tomás, “olhamos para ele como um menino normal. A oportunidade surgiu e achámos que ele merecia. Foi bastante emocionante ver a reação dele”, recorda.
“Não foi um favor que lhe fiz. O Tomás merecia concretizar o seu sonho e foi isso que fizemos”, refere, acrescentando que “no jogo agi como se fosse outro qualquer porque, para nós, ele é mais um atleta. Dei-lhe instruções e falei com ele sobre o posicionamento nas bolas paradas”.
O jovem treinador não esconde que “para mim, futebol é isto. A competição é importante, mas não o mais importante”, admitindo, tal como o presidente do clube, que “gostava que este gesto servisse de exemplo porque o futebol é isto, é inclusão. O futebol é para todos”.
FUTEBOL PARA TODOS
Pegamos na frase de João Ricardo para introduzir a próxima história, que tem como protagonista Bruno Carvalho, ou Bruninho, como é carinhosamente conhecido em Mirandela.
“Estou atento ao jogo e depois, quando é preciso, dou a bola aos jogadores”
Bruno Carvalho,
Apanha bolas
Bruninho tem 37 anos e sofre de Trissomia 21. É um apaixonado por futebol e é raro falhar um jogo do Mirandela em casa, onde faz de apanha bolas. E no domingo não foi diferente, lá estava ele, mesmo com chuva, na linha lateral.
É assim há cerca de seis anos. “Ele é uma pessoa muito querida no clube”, começa por dizer Carlos Correia, presidente do clube, acrescentando que “ele já nos disse que gostava de trabalhar aqui, mas para já não temos possibilidade para isso. Para já, damos-lhe esta oportunidade, aos fins de semana, e ele gosta”.
“É importante abrirmos a porta a pessoas como o Bruno. Ele vinha sempre aos jogos, acompanha alguns dos nossos treinos, os jogadores gostam dele e faz parte desta família”, vinca Carlos Correia.
Terminado o jogo, é hora de falarmos com Bruninho, que não esconde o entusiasmo ao saber que vai aparecer no jornal. Sobre o que faz em campo explica-nos que “tenho sempre uma bola comigo, estou atento ao jogo e depois, quando é preciso, dou a bola aos jogadores”.
“É importante abrirmos a porta a pessoas como o Bruno. Ele já faz parte desta família”
Carlos Correia,
presidente SC Mirandela
E sobre o Mirandela que é, a par do FC Porto, um dos seus amores, atira, em jeito de brincadeira, que “o Correia é meu chefe e meu amigo”.
Na cidade, e no estádio, são poucos os que não o conhecem. Falam numa pessoa “amiga e carinhosa”, uma opinião corroborada pela irmã, Cristina Carvalho. “O Bruno é um ser humano extraordinário. Adora os sobrinhos, é o meu braço direito e tenho toda a confiança nele”.
A viver em Bragança, Cristina conta que “a nossa mãe tem osteoporose e a sua mobilidade não é muito boa. O Bruno cuida dela a 100%. É muito protetor”.
Bruninho e Tomás são apenas dois exemplos de como a inclusão é possível, também através do futebol. Os clubes, mesmo com atitudes que, à primeira vista, parecem insignificantes, fazem toda a diferença na vida destas pessoas. A isto chama -se marcar golos a favor da inclusão e “nestes jogos” as goleadas deviam ser constantes.