Está ameaçada a produção de cortiça, em Trás-os-Montes. A redução acentuada e contínua na mancha de sobreiros nas suas zonas naturais de implantação pode pôr em causa uma mais-valia da região. Várias são as razões que concorrem para esta realidade: a utilização de áreas tradicionais de sobreiro para outras culturas, doenças, incêndios, alterações climáticas e a falta de investimento em novas plantações.
João Teixeira, da Associação Florestal do Douro do Vale Norte, AFLOUDONORTE, sediada em Murça, confirmou, ao Nosso Jornal, a actual crise do sector suberifero, em Trás-os-Montes.
“É uma verdade. De facto, tem havido uma quebra em área e na produção da cortiça. O reflexo disto pode ser explicado pela ocorrência dos incêndios florestais, o cuidado não adequado à árvore pelos agricultores e as doenças de que o sobreiro é vítima. Também entram aqui as alterações climáticas. Cada vez mais, em Trás-os-Montes, são frequentes os Verões quentes e secos e isso prejudica o desenvolvimento da árvore”. Segundo João Teixeira, “as más práticas agrícolas são outra das causas”.
“A utilização das áreas onde estão os sobreiros para a cultura de cereais e pastagens tornam compactos os terrenos e prejudicam, também. Por outro lado, não devemos esquecer um outro pormenor que tem a ver com as ajudas comunitárias. Os incentivos são baixos. Se, no outro Quadro de Apoio, ainda havia uma comparticipação de financiamento a 90%, agora esta taxa foi muito reduzida. Sabendo-se que estamos a falar de uma árvore cujo rendimento só se tira ao fim de 30 a 40 anos, obviamente que o sector da cortiça, nesta região, e, porventura, noutras do país poderá ser equacionado”.
Um exemplo, quanto ao efeito nefasto dos fogos, nos sobreiros, foi dado por este engenheiro florestal. “Mesmo sabendo-se que o sobreiro é uma das árvores que resiste mais aos fogos, tínhamos um associado com cerca de 20 hectares ocupados com a espécie, mas a ocorrência intervalada de dois incêndios acabou por dizimar cerca de 10 hectares”.
Também uma fonte da Direcção Geral de Recursos Florestais, confrontada com a crise na produção de cortiça, em Trás-os- -Montes, abordou, de uma forma idêntica, a mesma realidade.
“As espécies, as alterações climáticas, as práticas de cultivo explicam a taxa de insucesso, nesta cultura”. Porém, a mesma fonte salientou que a região de Trás- -os-Montes poderá estar a subaproveitar um grande potencial económico, como é o sobreiro: “Vale mais o sobreiro do que o pinheiro e o eucalipto juntos. É uma fileira de grande valor que, infelizmente, nesta região, não é considerada. Não podemos esquecer que Portugal é o primeiro exportador mundial de cortiça. É fundamental que os proprietários promovam, junto dos trabalhadores agrícolas, a implementação das regras da gestão florestal sustentável, com o recurso também à aplicação das conhecidas boas práticas suberícolas na instalação de novos povoamentos, nas operações de poda, na extracção de cortiça, no aproveitamento do solo”.
Outra causa da crise também aqui já referida tem a ver com o facto de ninguém, presentemente, querer “plantar sobreiros, para os netos tirarem rendimento”.
“É um período muito longo, de 40 anos, e as pessoas não estão à espera este tempo todo, para obter o lucro” – acrescentou.
Saliente-se que, em Trás-os- -Montes, em finais do séc. XIX, favoreceu-se a regeneração natural e semearam-se sobreiros na denominada “Terra Quente”, tendo surgido as novas zonas suberícolas de Mirandela e do Tua. Porém, ao longo dos anos, não houve continuidade da sua exploração racional. Hoje, a grande mancha de sobreiros de Trás-os–Montes está confinada à zona da Terra Quente, nomeadamente nos concelhos de Mirandela, Vila Flor, Valpaços, Alfandega da Fé e Macedo de Cavaleiros, registando-se a presença de alguns nichos em Carrazeda de Ansiães, Alijó e Torre de Moncorvo. Mas é em Mirandela que existe a maior área.
A Casa Clemente Meneres, em Romeu (Mirandela), tem as suas matas de sobreiros que se mantêm, no seu habitat, há muitos séculos. Estão integradas na Rede Natura 2000, constituindo uma reserva ecológica europeia que pretende preservar a biodiversidade. A produção de cortiça, uma matéria-prima natural e renovável, é uma das principais actividades da empresa. Registe–se que acaba de ser lançada uma campanha internacional, em defesa da cortiça natural, numa acção despoletada pela Amorim Irmãos. A companhia defende a cortiça como recurso único no mundo e património europeu e da bacia ocidental do Mediterrâneo Também o próprio Siza Vieira elegeu a cortiça como material de revestimento da estrutura de betão e aço, para armazenar os vinhos do Porto e Douro, num projecto da Quinta do Portal, no concelho de Sabrosa. A aposta num armazém, com 2.500 metros quadrados, visa “proporcionar o controlo da humidade e da temperatura e melhorar, significativamente, o envelhecimento dos vinhos.
O sobreiro é uma árvore de grande longevidade e com uma enorme capacidade de regeneração. Consegue viver, em média, de 150 a 200 anos, apesar dos muitos descortiçamentos que lhe fazem, ao longo da sua existência: cerca de 16, intercalados por períodos de nove anos.
Portugal concentra cerca de 33% da área mundial, o correspondente a uma área de mais de 730.000 hectares, cerca de 23% da floresta nacional. Existem, aproximadamente, 800 empresas a operar no sector da cortiça, em Portugal, as quais produzem cerca de 40 milhões de rolhas, por dia (35 milhões das quais no Norte do País), empregando cerca de doze mil operários.
Os dados do Comércio Externo do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontaram para 853,8 milhões de Euros (159,4 milhares de toneladas) para as exportações portuguesas de cortiça, em 2007. Este valor regista uma subida de 0,6 por cento, face a 2006, no que toca às exportações em valor.
Os principais destinos das exportações portuguesas de cortiça são a França (20,6%), os EUA (15,7%), a Espanha (13%), a Alemanha (8%) e a Itália (7,6%).
José Manuel Cardoso