“Nem precisávamos de relógio, sabíamos as horas de acordo com a passagem do comboio”, recorda Maria Martins, residente em Povoação, freguesia de Ermida, e uma das dezenas de pessoas que várias vezes por semana se desloca a Vila Real nos autocarros que a CP disponibiliza desde o encerramento da Linha do Corgo para obras, a 25 de Março.
Recordações de uma realidade ainda pouco distante mas que muitos temem que possa vir a ser definitiva. “Acho que não vai voltar”, refere a mesma utente que, com 80 anos, faz pelo menos uma viagem por semana a Vila Real para fazer compras.
Se a tristeza e as incertezas sobre o regresso da locomotiva à Linha do Corgo são sentimentos comuns a dezenas de pessoas, também a preocupação relativamente à estrada utilizada pelos autocarros que agora fazem o serviço da CP é uma constante. “A estrada é fraca, não é apropriada à circulação de autocarros”, considerou Maria Martins, apoiada por outros utentes que, à uma da tarde de segunda-feira esperavam pela partida da viatura que os levaria a casa.
“Aquela estrada está preparada para ligeiros”, defendeu Maria Santos, residente em Penelas, também no Vale da Ermida, há cerca de cinco anos. Mais, a residente recorda que logo na primeira viagem que fez no autocarro”apanhou um susto” quando este se viu com alguma dificuldade ao cruzar-se com outro veículo. “Na altura das vindimas, quando andam naquela estrada muitos carros grandes a recolher as uvas, como vai ser? E na altura do Inverno, com a geada?”, questiona Maria Santos que “praticamente todos os dias” faz a viagem até a capital de distrito.
Outra das reclamações da população, que se vê obrigada a utilizar o transporte alternativo, prende-se com o conforto nas paragens, onde não existe qualquer tipo de resguardo. “Ainda no outro dia estivemos aqui todos à chuva à espera do autocarro”, garantiu, ao Nosso Jornal, Maria Santos, deixando ainda um apelo para que, aproveitando as obras anunciadas, se faça a revisão dos apeadeiros da linha de modo a que esses possam servir melhor as populações.
“Tive pena de não saber sobre o encerramento no dia em que foi anunciado. Teria ido à manifestação”, garante Henriqueta Ferreira, de 64 anos, mostrando-se também pouco entusiasmada com a reactivação da linha. “São tantas as promessas que eu nem sei”.
José Borges, presidente da Junta de Ermida, explica que, “para já”, as pessoas da sua freguesia estão satisfeitas “porque as condições climatéricas até têm sido boas e o serviço do autocarro “tem sido óptimo”.
“O único inconveniente é que não serve todas as pessoas da freguesia. Há pessoas que se deslocam mais quilómetros, pessoas idosas da Povoação têm que subir uma ladeira muito íngreme para chegar à estrada principal”, lamenta o autarca considerando que, de facto, “o comboio continuará a ser a melhor solução”, mas realmente precisava de ser “modernizado” e adaptado, sendo necessário um estudo “sério” sobre as necessidades de transportes das populações que por ele são servidas.
Com os 51 lugares sentados do autocarro contra os 48 e 30 de pé do comboio, há dias da semana em que o novo meio é insuficiente para dar resposta às necessidades, confirmaram outros utentes, referindo que o primeiro das segundas e das sextas-feiras são os mais procurados graças não só àqueles que se deslocam a Vila Real para a feira semanal, mas também a muitos estudantes universitários que o utilizam para fazer a ligação com o Peso da Régua.
De recordar que a linha do Corgo foi encerrada no dia 25 de Abril, entretanto o Governo já garantiu que se trata de um processo temporário que visa a realização de obras que garantam a circulação em segurança naquele troço de cerca de 25 quilómetros, onde serão investidos cerca de 30 milhões de euros numa intervenção, cuja primeira fase deverá começar já em Junho, e deverá estar concluída em Setembro de 2010.
“Temos que acreditar nos políticos. Queremos acreditar que a secretária de Estado (Ana Paula Vitorino) é uma mulher de palavra, que vai cumprir o que nos prometeu”, sublinhou José Borges.