Nesta Semana Social participaram 450 pessoas, um número reduzido para a importância do tema. Da diocese de Vila Real estiveram presentes somente o Bispo Coadjutor e a Misericórdia de Cerva. Para esta débil participação contribuíram a fraca divulgação da Semana Social e o «Simpósio social» feito em Lisboa, em Maio passado, por ocasião do jubileu do Monumento a Cristo Rei, muito frequentado e que, de algum modo, desmobilizou para esta Semana.
Apesar disso, a Semana Social teve um dinamismo interno muito válido, quer pelos temas, muito oportunos, quer pelos oradores. Aguardam-se agora as Actas para todos os que desejem informar-se desta área doutrinal.
2 – As Semanas Sociais nasceram em França em 1905, em Lyon, para difundir os ensinamentos da doutrina social da Igreja. Estenderam-se depois a outras cidades, nomeadamente Metz e Nancy. A crise de Maio de 1968 fez renascer estas jornadas, realizando-se uma nova Semana Social em 987, dedicada a «O trabalho, problema do homem problema da sociedade».
As Semanas Sociais são consideradas um grande laboratório cultural dos leigos católicos empenhados na análise de graves questões da sociedade moderna que não encontram respostas imediata nos códigos escritos e estabelecidos. Nelas participam homens de grande envergadura científica e política, e os leigos aprendem aí, como em escolas abertas de adultos, os grandes princípios da doutrina social da Igreja e, pelos debates e comentários públicos, aprendem a analisar as realidades e as implicações concretas da doutrina social da Igreja. O magistério da Igreja sempre apoiou essas Semanas Sociais, pois elas dão um valioso contributo social.
As primeiras Semanas Sociais criaram enorme impacto na sociedade, algumas sacudiram mesmo o poder estabelecido, ao chamar a atenção para realidades diluídas na sociedade e novas exigências sociais. De facto, a sociedade é algo em movimento constante e as leis nem sempre respondem à pluralidade de situações emergentes, tornando-se necessário que os peritos, a partir dos princípios doutrinários aceites, encontrem respostas novas para situações novas.
Entre nós, houve Semanas Sociais que causaram brado, mormente durante o Estado Novo, pois eram frequentemente o único espaço onde os fiéis podiam falar desassombradamente dos direitos dos cidadãos. Recordo-me ainda da Semana Social sobre a Educação, em Braga, e da afirmação de que o direito de ensinar e de aprender não era entre nós verdadeiramente reconhecido.
3 – Esta dimensão social da doutrina cristã não tem tido grande relevo na formação dos nossos cristãos. Se a formação doutrinária é débil em muitos sectores (bíblico, litúrgico, artístico, histórico e dogmático), ela é especialmente deficiente na área social. Mesmo na formação do clero, a doutrina social da Igreja não ocupa o lugar que merece, dando-se os princípios basilares e deixando ao brio pessoal o seu desenvolvimento, o que, muitas vezes, não acontece.
Há muitos cristãos que confundem área social com actividade política e, como a Igreja não deve assumir actividades políticas, entendem que a Igreja não tem que expor doutrina social. Deste modo, ao estudar a sociedade e ao tomar as suas posições, os cristãos vão buscar a sua inspiração às filosofias políticas da moda, seja ao marxismo em qualquer das suas variantes, seja ao socialismo em algum dos seus rostos históricos, seja ao capitalismo mais controlado ou mais liberal. Daí nascem verdadeiros paradoxos: cristãos de prática religiosa de missa e sacramentos e, socialmente, marxistas ou capitalistas doentios ou de economia socialista estatizante. Actualmente, há cristãos praticantes que, na área social, são defensores do divórcio, do aborto, da eutanásia e agora da casamento homossexual! Tudo isto acontece porque a doutrina que lhes foi ministrada se limitou à prática religiosa da missa, dos sacramentos e da Moral pessoal. Os grandes princípios da Moral social não lhes foram ensinados nem na adolescência nem na juventude nem na vida adulta.
4 – O «Bem Comum», por exemplo, é um dos quatro grandes princípios da doutrina social da Igreja, ao lado do princípio da «dignidade da pessoa humana», da «subsidiariedade» e da «solidariedade».
Estes quatro princípios nascem da razão e da fé, da revelação e da experiência humana, vivem entrelaçados e comandam toda a vida social. Os dados científicos da economia, da gestão, da vida política, fornecem técnicas de obter riqueza, de administração, de conquista de poder, mas não ditam regras de comportamento económico-social nem exercício do poder. O «para quê» de todas as actividades tem de procurar-se noutra área, a área de ética social. A diferença é um pouco semelhante à que existe entre um mecânico de automóveis e o instrutor do código de condução: o mecânico diz como é que o carro anda e o instrutor como se deve usar. De modo análogo, as ciências económicas e políticas podem informar como se produz riqueza e se conquista o poder; a ética social como se deve distribuir a riqueza e exercer o poder.
O «bem comum» não consiste na simples soma dos bens particulares dos membros de um corpo social ou de um país, uma espécie de soma total dos bens de cada um, mas o conjunto das condições da vida social que permitam, tanto aos grupos como a cada cidadão, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição». No «bem comum» entram realidades económicas, políticas, de saúde, de lazer, e também as realidades religiosas, pois sem elas o homem não vive.
O «bem comum» é o clima objectivo, o quadro legal e de acessibilidade, que permitem a todos crescerem e desenvolver-se. A criação dessas condições é uma exigência de cada pessoa, da Igreja e do Estado. Quer isto dizer que ninguém nem nenhuma estrutura se pode desenvolver fechada nos seus interesses, mas só na abertura aos outros e de mãos dadas com eles.
No «bem comum», escreveu-se acima, entram realidades económicas, políticas, de saúde, de lazer, e também as realidades religiosas, pois sem elas o homem não vive. Aqui está uma grave questão do nosso tempo. Difundiu-se por toda a parte o pressuposto de que as sociedades actuais são laicas, o que não é verdade. Basta reparar na proliferação do fenómeno religioso no interior da sociedade civil. Os Estados é que podem não assumir nenhuma religião como sua, mas isso não pode significar um alheamento e menos ainda uma hostilidade ao fenómeno religiosos. Como poderia, nesse caso, construir-se o «bem comum»? E, de facto, nem a nossa Constituição nem nenhuma dos países europeus fala da laicidade do Estado, mas da democracia política. Na Semana Social de Aveiro a questão foi levantada, e a onda ateizante da Europa foi referida como algo estranho ao «bem comum».