O Papa fará 80 anos na próxima segunda-feira, dia 16 de Abril. Como fora eleito Papa aos 19 de Abril de 2005 e iniciou o governo da Igreja no dia 24, Abril é o mês deste Papa.
Com este Papa já conheci pessoalmente seis Romanos Pontífices: Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II. Une-os a todos o mesmo empenho de bem servir a Igreja e o Mundo, e distingue-os a variedade e riqueza de personalidades: Pio XII, solene como o Pentecostes, quase majestático, sempre informado das descobertas científicas do seu tempo, e heróico durante as duas grandes ditaduras do séc. XX; João XXIII, paternal como um pároco de aldeia, bem humorado como um diplomata, confiante e convocador do Concílio Vaticano II; Paulo VI, de grande finura de trato e subtileza de pensamento, de temperamento tímido mas firme na condução do Concílio, iniciador das viagens apostólicas e mártir do pós Concílio; João Paulo I, o Papa que durante trinta dias só teve tempo de deixar ao mundo o sorriso da fé; João Paulo II, um homem do Leste, o Papa que se tornou líder do mundo, que fez cair o muro de Berlim e derrubou todas as barreiras, inclusive do comunismo; e Bento XVI, o teólogo sereno, chamado a reconstruir o homem e a cultura na época do relativismo.
O Papa actual nasceu aos 16 de Abril de 1927, que naquele ano era o sábado santo, em Marktl am Inn, diocese de Passau (Alemanha), e foi baptizado no mesmo dia com o nome de José. Seu pai foi um funcionário público (comissário de polícia) que havia casado tarde. No dia 7 de Março de 1920, publicara num jornal o anúncio de casamento: «modesto funcionário do Estado, solteiro, católico, de 43 anos, com direito à reforma, pretende celebrar casamento com uma jovem católica, que saiba cozinhar e, se possível, costurar». Cada uma destas palavras é expressiva, até parece o estilo de Bento XVI. Na primeira tentativa do casamento o pai do Papa não teve sorte, e foi preciso explicar que era um «funcionário médio». Apareceu então Maria Peintner, cozinheira, muito piedosa, despachada e inteligente. O casamento ocorreu em 1920 e tiveram três filhos: Maria, nascida em 1921 e falecida em 1991, solteira, com 70 anos de idade; Jorge que agora conta 83 (pároco, dado à música) e José com 80, o actual Papa. A casa onde nasceu o Papa é hoje um prédio considerado pelo Estado de «interesse público». Viveu em várias cidades alemãs ao ritmo do destacamento profissional do pai
José Ratzinger tornou-se desde a juventude um teólogo brilhante, a «estrela», e foi professor universitário em várias Universidades (Munique, Bona, Munster, Tubingen). Em 1969 regressa a Baviera, à Universidade de Ratisbona, chegando a ser Reitor. Durante o Concílio seria o teólogo oficial de bispos alemães. Em 1977 é eleito bispo pelo Papa Paulo VI e logo a seguir nomeado cardeal. Em 1981, João Paulo II chama-o a Roma e nomeia-o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, um ministério de extrema responsabilidade. Tem de acautelar a ortodoxia da fé sobretudo nos Seminários, nas faculdades de Teologia, nas publicações científicas e nos meios universitários.
Manteve sempre uma vida discreta e uma sensibilidade humana e artística, ele que em jovem até pensara dedicar-se à pintura: toca piano com algum talento e tem uma preferência pelas sonatas de Beethoven. Na deslocação de Setembro passado à sua terra, na Alemanha, quis visitar privadamente o cemitério e rezar na campa dos pais e da sua irmã Maria a quem se referiu com muita gratidão, pois ela acompanhou sempre os dois irmãos padres.
Tendo vivido o Concílio por dentro, capta facilmente os seus desvios. Publicou cerca de 100 livros e mais de 600 artigos científicos. Diz ele que durante o Concílio houve um clima de euforia, mas depois caiu-se em alguma desorientação e mesmo destruição. O ambiente de laicismo prejudicou a assimilação da doutrina conciliar e a muitos documentos foi retirada a referência fundamental ao mistério de Deus. Os analistas gostam de dizer que segundo o Papa há hoje quatro heresias que urge combater: ao falar de Jesus, insiste-se na sua «natureza humana» e esquece-se a sua divindade; ao falar da Igreja como «Povo de Deus» acentuou-se a palavra «povo» e diminuiu-se que seja «de Deus», vê-se mais o Vaticano e menos a Sé Apostólica; ao falar da «participação litúrgica» insiste-se na «participação» sensível e silencia-se «o mistério pascal»; ao falar da «presença da Igreja ao mundo», sublinha-se a «presença» militante e esquece-se de dizer que deve ser «cristã», sem nada retirar da eclesialidade do cristão.
Culturalmente, o mundo vive dividido em duas civilizações: o mundo ocidental mergulha no laicismo, dominado pelo pensamento frágil, positivista e sem metafísica, mais emotivo que racional, um pensamento curto; e o mundo oriental, de tradições místicas, sem dar grande espaço à razão, desconfiado do laicismo ocidental. Às grandes questões da vida, o mundo ocidental responde sempre com o «que é prático», o que «é útil para esta geração», «o que dá resultado». Temos exemplos disso na legislação da família sem casamento, no casamento sem estabilidade, na geração de filhos sem garantia de respeito por eles, e na defesa dos doentes sem garantia pela sua vida. Já no pontificado de João Paulo II, os problemas do indiferentismo, do secularismo e do pensamento débil trouxeram dores de cabeça ao Papa Woityla. Essa mentalidade mantém-se.
Na homilia da Missa do conclave que o viria a eleger, a cardeal Ratzinger alertou para «a ditadura do relativismo, que não conhece certezas, nem verdades duradouras mas só cultiva a idolatria do «presente». A pequena barca do pensamento de muitos cristãos anda ao sabor destas ondas, que vão do marxismo ao liberalismo, do individualismo ao colectivismo, do ateísmo ao misticismo radical. Ter uma fé sólida, de acordo com a doutrina da Igreja, é hoje etiquetado como fundamentalismo, enquanto que o relativismo, o deixar-se levar por qualquer onda de doutrina, aparece como único modelo de actualidade». Por isso, o mundo calou-se perante a eleição de Bento XVI.
Compreende-se assim o lugar que Bento XVI vem a dar ao diálogo da razão e da fé quer no mundo ocidental quer em relação com os muçulmanos: sem fé cairemos na ditadura positivista da técnica ocidental, e sem reflexão adulta cairemos no sentimentalismo e fanatismo religioso. Em ambos os casos será sempre a pessoa humana a pagar a factura.
D. Joaquim Gonçalves * Bispo de Vila Real