Com os preços dos alimentos cada vez mais elevados, a VTM foi tentar perceber como poderemos ter uma alimentação saudável num mundo em grande transformação, com Clara Matos, nutricionista especialista em nutrição clínica e diretora do Serviço de Nutrição do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD).
COMER BEM
A especialista revela que “nós somos mesmo aquilo que comemos”, pelo que devemos adotar uma alimentação saudável, que evitará seguramente muitos dos problemas de saúde dos nossos dias. E como que devemos comer? “É tão simples como seguir os princípios do nosso grande guia alimentar, que é a Roda dos Alimentos, e que todos conhecem: a alimentação deve ser completa, equilibrada e variada. Ou seja, devemos consumir diariamente os alimentos que estão na Roda. Se não estiverem na Roda, então não devemos comer todos os dias”, sublinha Clara Matos, adiantando que “devemos seguir a proporcionalidade que a Roda nos mostra, comendo mais dos alimentos dos grupos com as fatias maiores e menos dos mais pequenos, sempre variando o mais possível dentro de cada grupo de alimentos, para assim aproveitar a riqueza nutricional que nos podem dar. Por exemplo, no grupo da fruta, se comermos sempre maçãs, além da monotonia que é desnecessária, não vamos conseguir obter a riqueza nutricional que o grupo na sua totalidade nos pode oferecer”.
“Devemos adotar uma alimentação saudável, respeitando as nossas tradições e juntando a cor, aroma e sabor dos produtos locais e sazonais”
CLARA MATOS
Nutricionista
Já para termos uma alimentação sustentável devemos “comer de acordo com as regras da sazonalidade, ou seja, comer alimentos da época. Não faz sentido andarmos a comer cerejas em novembro. Ou seja, devemos comer os produtos locais e da época”.
E para não estarmos a contribuir para o desperdício alimentar, há uma série de pequenos passos, muito simples de adotar: devemos planear o que vamos comer e comprar só aquilo que precisamos, também em quantidade. Para melhor preservar os alimentos, devemos acondicioná-los adequadamente e um truque que pode fazer a diferença no desperdício é comprar estes alimentos em diferentes pontos de maturação”. A nutricionista lembrou também que a leitura dos rótulos “ajuda-nos a fazer escolhas mais informadas, saudáveis e sustentáveis, sendo que quanto mais descascarmos e menos desembalarmos, melhor”.
E no fim desta cadeia, a compostagem: “se no fim, os restos dos alimentos servirem para adubar novas culturas, estamos naturalmente a contribuir para um planeta mais sustentável.
ALIMENTAÇÃO TRANSMONTANA
Segundo a especialista, a alimentação transmontana, enquadrada na dieta mediterrânea, “não é assim tão má” como por vezes se pensa.
Os transmontanos têm práticas regionais “muito interessantes em termos de sustentabilidade”, com boas práticas agrícolas a valorizar o consumo de fruta e hortícolas de produção local e sazonal, em que muitos conseguem cultivar os legumes no pequeno pedaço de terra que ainda vão tendo perto de casa, ou nas pequenas hortas que também já começaram a surgir nas varandas das cidades. Mas também “sabem aproveitar ao máximo, diria que como poucos o sabem fazer, os alimentos. Por exemplo, agora que estamos no outono, não podemos deixar de lembrar a abóbora: é aproveitada ainda em flor, verde ou no seu ponto de maturação certo, e até suas sementes, depois de secas, são aproveitadas; mas podemos pensar igualmente no feijão: em mais nenhuma região do país se comem as cascas do feijão, as casulas. E é verdade que aproveitar o alimento de forma integral é uma das melhores formas de ser sustentável”.
Quanto ao fumeiro, sendo verdade que “é rico em sal e gordura, também é verdade que tradicionalmente só era consumido em pequenas quantidades e em dias de festa. Não eram consumidos todos os dias. E esse é um ponto muito importante: saber distinguir a alimentação do dia a dia da alimentação dos dias especiais.
MUDANÇA
Numa altura em que o mundo ainda se debate com uma guerra e acaba de sair de uma pandemia, Clara Matos sustenta que o dia mundial da alimentação “é altura certa” para se fazer uma mudança. “É importante não deixar ninguém para trás, porque ainda estamos marcados pela pandemia, enfrentamos as alterações climáticas, conflitos mundiais, tudo isso faz aumentar os preços. Neste cenário de insegurança alimentar, a solidariedade conjunta por um futuro mais saudável e sustentável é de facto fundamental para um mundo melhor”, conclui a especialista.