O caso começou a 4 de maio de 2017, quando a empregada casou com o patrão, com 101 anos, no Registo Civil de Ribeira de Pena, Vila Real, a mais de 150 quilómetros da aldeia de Parada, Bragança, onde moravam.
Dias a seguir ao casamento, a 10 de maio de 2017, deslocaram-se a Vieira do Minho, Braga, para lavrar um testamento que tinha como beneficiária a empregada. O idoso morreu dois meses depois.
O casamento e o testamento foram já anulados pelo tribunal, sendo dado como provado que o idoso padecia de demência. São agora julgados os factos que permitiram que fossem realizados.
Na acusação do Ministério Público (MP), a que a Lusa teve acesso, lê-se que a empregada, 59 anos, que trabalhou para a família por mais de 30 anos, atenta à idade e ao património do patrão, “formulou um plano com o intuito de contrair casamento (…) e lograr que aquele outorgasse testamento a seu favor, de modo a conseguir tornar-se sua herdeira (…)”.
Juntam-se no banco dos réus dois médicos psiquiatras, uma psicóloga e a funcionária do Registo Civil que celebrou o casamento.
O MP entende que os profissionais de saúde que elaboraram relatórios ou prestaram declarações sobre as faculdades mentais do idoso à época dos factos não relataram a verdade.
O idoso foi dado pelos arguidos como capaz para decidir sobre a sua pessoa, bens e património, quando, lê-se no despacho de acusação, sofria de demência pelo menos desde outubro de 2011.
Quanto à oficial de registos, entende o MP que celebrou o casamento “apesar de saber que aquele [o idoso] não se encontrava em estado de poder manifestar livre e esclarecidamente a sua vontade”. Responde por desobediência qualificada.
Um dos médicos psiquiatras e a psicóloga que elaboraram o relatório médico que atestava a sanidade do idoso estão acusados, respetivamente, de crime de atestado falso e falsas declarações e um crime de falsificação de documentos. Ao outro psiquiatra implicado, que esteve presente na assinatura do testamento com o outro colega implicado, é-lhe imputado o crime de falsas declarações.
A empregada responde por três crimes de sequestro, por ter levado o idoso de casa apesar das indicações em contrário da filha, nomeada tutora pelo tribunal. Está acusada ainda de atestado falso e falsificação de documentos.
Na sessão de julgamento de hoje foi ouvido um dos arguido, o psiquiatra que foi, acompanhado do psicóloga arguida, a casa do idoso em abril de 2016, para lhe avaliar as capacidades cognitivas.
Ao coletivo de juízes declarou, que na avaliação que fez, concluiu que o idoso estava “consciente, orientado no espaço e no tempo, com raciocínio lógico e capaz de administrar os seus bens”.
Contudo, afirmou também que desconhecia quais eram ou os valores desses bens, estimados pelo tribunal em dois milhões de euros.
O psiquiatra, de 74 anos e quase cinco décadas de experiência, relatou que o idoso tinha problemas de mobilidade e na fala, e que para ler um texto que fazia parte da avaliação teve que usar óculos. De resto, afirmou que, na data em que redigiu o relatório, era sua convicção que o idoso estava bem.
Um mês depois, o idoso foi visto por outro psiquiatra, que concluiu que o idoso padecia de um quadro de demência terminal.
O psiquiatra arguido foi suspenso pela Ordem dos Médicos, que considerou a apreciação feita simplista.
Foi também ouvida como testemunha a notária que presidiu à assinatura do testamento. Afirmou que pediu a presença de dois peritos (os dois psiquiatras agora arguidos), atendendo à idade do testador e ao facto de residirem longe dali. Disse que só foi avante com a elaboração do testamento por estarem presentes os especialistas.
A próxima sessão, para continuar a ouvir testemunhas, está marcada para 6 de dezembro.