A ideia tem vindo a ser debatida e a nova presidente da Associação Nacional de Farmácias (ANF), Ema Paulino, acredita que o setor “está preparado” para dar a mão ao SNS. “As farmácias estão junto das comunidades, de porta aberta, e podem funcionar como agentes de saúde pública, promovendo a saúde, prevenindo a doença, em que podem fazer uma referenciação para um diagnóstico mais rápido em determinadas doenças”, revela, adiantando que podem ser a solução para evitar idas desnecessárias aos centros de saúde ou hospitais. “Poderemos ter cuidados médicos, aumentando a adesão à terapêutica e, com isso, melhorar o controlo das patologias, pois, todos os anos, Portugal investe em medicamentos, mas esse investimento só se transformará em ganhos de saúde se forem bem utilizados”.
Ema Paulino dá como exemplo o apoio à população na utilização de medicamentos e acompanhamento das pessoas, referindo que a ANF está ainda a sensibilizar o Ministério da Saúde para que as farmácias possam fazer a renovação da terapêutica. “Muitas pessoas têm dificuldade de acesso às receitas médicas e, muitas vezes, vão à farmácia, que dão crédito às pessoas e dispensam o medicamento sem a receita, ou então, o utente tem de pagar o medicamento na totalidade, por isso, faria todo o sentido (autorizado pelo médico) que nas farmácias pudessem fazer essa renovação da terapêutica para que o utente não fique sem acesso à medicação que necessita”.
MAIS COMPETÊNCIA
A presidente da ANF revela que Portugal tem 3,7 farmacêuticos por farmácia, um número acima da média europeia. Por isso, sustenta que o setor “tem cada vez mais competência”, com equipas “mais capacitadas” e “disponíveis”. “As farmácias têm tido uma evolução bastante grande, mas é contrabalançada pelo modelo de remuneração, que está apenas baseado na dispensa dos medicamentos”.
A nova direção da ANF pretende “consensualizar, com o Ministério da Saúde, serviços que façam sentido prestar, que podem ser diferentes conforme o local onde a farmácia se insere, mas têm de ser remunerados pelo próprio SNS”, de forma a contornar algumas dificuldades que têm surgido na última década.
24% das farmácias da região em insolvência ou penhora
O setor já vivia dificuldades, mas a pandemia agravou a situação financeira de muitas farmácias.
Há uns anos, houve uma alteração ao modelo de negócio que, segundo Ema Paulino, teve um “impacto significativo” na rentabilidade das farmácias, sendo que uma percentagem significativa se encontra em situação de insolvência ou penhora. “São aproximadamente uma em cada quatro farmácias nessa situação”.
Antes da pandemia havia 25% das farmácias em situação difícil, em que a maioria estava localizada em meios mais pequenos, no interior. Mas, em 2020, com a Covid-19 e o confinamento, surgiram mais insolvências.
No distrito de Vila Real, os números revelados não são animadores, tendo aumentado de 18,3% em 2017 para 24,6% em 2020, ou seja, são 17 farmácias em situação complicada. Destas, 17,4% estão penhoradas, enquanto 7,2% estão em insolvência.
No distrito vizinho, Bragança, o cenário não muda muito, com 24,4% das farmácias em dificuldades. São 10 em situação de penhora (19,5%) e insolvência (4,9%).
Estes números preocupam a direção da ANF. Ema Paulino afirma que as farmácias mais pequenas e as que estão localizadas em zonas mais despovoadas são as mais afetadas. “Preocupa-nos que tenham o seu serviço diminuído e com isso possam não conseguir dar resposta à população, mas estamos muito empenhados em encontrar soluções junto dos Ministérios da Saúde e da Coesão Territorial, de forma a ser garantida a continuidade de resposta nessas zonas do país, onde as pessoas não têm alternativa”.
GENÉRICOS
A introdução de medicamentos genéricos veio trazer um novo e grande desafio ao setor, que tem sabido adaptar-se, como explicou a mesma responsável. “Trouxe maior exigência e mais investimento, porque aumentou a necessidade de as farmácias terem mais medicamentos em stock”. Além disso, afetou as contas, porque o “nosso sistema de remuneração está assente no preço do medicamento. Embora as margens sejam maiores do que nos medicamentos de marca, há genéricos muito baratos e por muita que seja a margem, são uns cêntimos que as farmácias lucram”.
Apesar dos constrangimentos que os genéricos trouxeram ao setor, Ema Paulino acredita que as farmácias são parte da solução para a sustentabilidade do SNS, defendendo que a utilização dos genéricos “faz sentido do ponto de vista clínico, porque são iguais aos medicamentos de marca, têm o mesmo nível de efetividade e segurança e são mais baratos”.
Entretanto, para minimizar as perdas, foi criado um sistema de incentivos para a dispensa de medicamentos genéricos, que “já teve os seus frutos e permitiu crescer a sua quota no mercado, que se cifra atualmente nos 48%”. Apesar dos passos dados, a presidente da ANF diz estar na expectativa que o modelo seja revisto para aumentar ainda mais a quota de genéricos no mercado português.
Em Portugal existem quase três mil farmácias e Ema Paulino deixa a garantia de que os portugueses “podem continuar a contar com um setor inovador, que está atento às necessidades e expectativas da população, nunca esquecendo a sua responsabilidade social”.