Segunda-feira, 20 de Janeiro de 2025
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Pais desesperam por vagas em creche

Muitas famílias com filhos pequenos estão a ter muita dificuldade em encontrar um lugar para deixar os bebés quando regressam ao trabalho. A dificuldade sente-se em Chaves, com as creches cheias, mas também em Salto, onde não há esta resposta social e a opção mais perto, Cabeceiras de Basto, também já não tem vagas

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Para Cindy Ferreira, de 32 anos, não foi fácil encontrar uma solução para o filho, que tem agora 9 meses. Inscreveu-o mal nasceu numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) da cidade, ainda que só necessitasse da resposta social seis meses depois, quando a licença terminaria. “Tinha dias quando o inscrevi, mas foi-nos dito que não seria fácil, porque as vagas já estavam preenchidas”, conta. Foi ligando e insistindo para saber se tinha avançado na lista de espera e a resposta foi sempre indisponibilidade. Alargou as opções a creches privadas e mesmo aí não conseguiu lugar para o filho. “Já estava a ficar desesperada porque não tinha onde o deixar, a minha mãe trabalha, a minha sogra trabalha e não tenho nenhum familiar próximo a quem o pudesse deixar, uma ama era um preço absurdo. Soube que em Vidago havia vaga, e consegui”, explica.

CRECHE A 20 QUILÓMETROS

Apesar do alívio, por ter encontrado esta solução numa altura em que tinha de regressar ao trabalho, conta que não é o ideal, devido à ginástica de horários e às viagens diárias.

“Já estava a ficar desesperada porque não tinha onde o deixar. Soube que em Vidago havia vaga, e consegui. Mas causa bastante transtorno, tenho de fazer 80 quilómetros por dia”
CINDY FERREIRA
CHAVES

“Causa bastante transtorno, além de não ter um horário tão alargado como uma creche em Chaves, tenho de fazer 80 quilómetros por dia, em quatro viagens. Vou de manhã e venho para o trabalho, e regresso às 16h30 para o ir buscar”, sublinha Cindy que mora na localidade de Bustelo, ainda mais afastada de Vidago do que Chaves. Consegue compatibilizar com o horário de trabalho, porque está com as horas de amamentação, e diz ter tido “a sorte de a entidade patronal fazer um horário compatível com as deslocações”, senão, garante, “era impossível”. “O meu marido sai depois das 21 horas, tenho de ser sempre eu a ir buscar o menino, é uma dinâmica muito complicada”, conta.

A IPSS foi a primeira opção, porque era a mais próxima de casa, mas admite que até preferia uma creche privada para compatibilizar os horários de trabalho, e assume que “não tinha ideia que seria tão complicado”. “Sabia que no Centro Paroquial era difícil, mas achei que nos privados iria conseguir à partida e não aconteceu”, confessa.

Apesar dos inconvenientes considera-se afortunada, já que, conta, há famílias “que queriam ir para Vidago e agora já não tem vagas para berçário”. “Apesar de tudo, ainda tive sorte de conseguir na altura”.

O filho de Cindy usufrui da gratuitidade da creche no âmbito da medida Creche Feliz, mas admite que “preferia ter uma escola a pagar”, porque o que gasta em viagens “acaba por ser uma mensalidade” e critica alguns aspetos da medida. “Para muita gente estar a usufruir desse apoio, quando podia estar com os filhos em casa, quem está a trabalhar acaba por não ter direito à Creche Feliz, porque as pessoas desempregadas e com prestações sociais têm prioridade. Depois quem está a trabalhar fica com esta limitação, como me aconteceu a mim e a dezenas de outras mães”, contesta.

Não desistiu de ter uma vaga em Chaves, porque as viagens diárias são mais complicadas no Inverno e acredita que quando o filho tiver mais de um ano “será mais fácil”, porque essas salas têm mais lugares. Tem esperança que a partir de setembro seja possível, mas não tem ainda garantia.

E Cindy não é caso único. Serão pelo menos seis as crianças de Chaves a ir para a creche de Vidago por falta de vaga e de opção.

FAMÍLIA COMO SUPORTE

Cláudia Diegues, de 39 anos, também se apercebeu que não ia ser fácil conseguir lugar para a filha, por isso inscreveu-a na creche da Santa Casa da Misericórdia de Chaves (SCMC) quando ela nasceu para garantir a vaga, apesar de pretender que a bebé entrasse apenas com cerca de um ano, já que até lá ficaria com a sua mãe. “Tinha intenção de que fosse para a creche mais crescida, tenho essa facilidade, como a minha mãe não trabalha”, mas mesmo antecipando-se ainda não tem a garantia de que em setembro terá vaga. “À partida disseram-me que sim, mas 100% não há garantia”, conta.

Quando o primeiro filho nasceu, há 6 anos, não teve este problema para arranjar creche, mas agora “não havia vagas em lado nenhum, nunca se sentiu cá em Chaves tanta dificuldade em encontrar creche”.

Se não tivesse alternativa teria de procurar outra solução. “A minha sorte é ter a minha mãe”, admite e acredita que esta situação pode condicionar a decisão das pessoas terem filhos. “Se não têm a certeza que vai ter escola é um bocado complicado, também não podemos estar muito tempo de baixa de maternidade, porque até aos 5 meses é paga a 80%, depois é 25%, não há muita gente que se possa dar a esse luxo, as pessoas têm de ir trabalhar, mas não tendo onde deixar os filhos é complicado”, acredita.

LISTA DE ESPERA

“Desde 2020 que já temos lista de espera na creche da Casa dos Montes, mas no último ano agravou-se. Há quem se inscreva ainda durante a gravidez”
JORGE PINTO DE ALMEIDA
PROVEDOR SCMC

Segundo o provedor SCMC, Jorge Pinto de Almeida, o problema de procura elevada já existe há 3 anos. “Desde 2020, pelo menos, que já temos lista de espera na creche da Casa dos Montes. Mas no último ano agravou-se”, afirma o responsável. “Há quem se inscreva ainda durante a gravidez. Começam à procura, vão à creche diretamente ou vão à plataforma para ver se há vagas”, afirma.

A creche tem 56 vagas, 44 das quais em acordo com a segurança social e, neste momento, há 30 meninos em lista de espera.

Em Vidago, na valência também gerida pela SCMC, há 40 lugares, sendo 32 em acordo. Ainda há algumas vagas, mas apenas na sala entre 2 e 3 anos. Esta creche abriu recentemente devido às necessidades que havia na vila com cerca de 2000 habitantes e freguesias limítrofes. “Foi mantida até dezembro de 2022 sem acordos e contou com o apoio da Câmara Municipal de Chaves, tendo no final do ano passado sido assinado o protocolo com a Segurança Social, com retroativos ao início do ano letivo”, esclarece.

Jorge Pinto de Almeida reconhece que houve um acréscimo de meninos na creche de Vidago que são de Chaves, e considera que “fazer 20 quilómetros aqui demora muito menos tempo que 5 ou 10 em Lisboa ou no Porto”.

Pela necessidade que se tem sentido, o provedor explica que a instituição pretende “arranjar mais um berçário” em Casa dos Montes, no próximo ano letivo, mas terá de ser aprovado pela Segurança Social.

“Fazia falta mais uma sala de berçário, porque tem apenas 8 vagas e enche rapidamente. Vamos tentar, não posso prometer, as vagas são definidas em acordo”, afirma. “Temos estas duas creches e para criar salas ou outra creche é preciso investimento, pode haver apoios ou candidaturas, mas isso demora”, sublinha ainda.

Também nas instituições privadas as solicitações superam a oferta. Marlene Santos, diretora técnica da creche S. Roque, em Chaves, tem vindo a constatar que “tem havido uma procura muito grande, para o berçário principalmente” e também a partir de um ano “quando os pais optam por deixar as crianças mais alguns meses com familiares”, o que ainda é frequente na região.

“Se tivesse capacidade, com certeza iria ter outro berçário lotado, com pelo menos 8 a 10 crianças, porque as solicitações são muitas”
MARLENE SANTOS
CRECHE E INFANTÁRIO
S. ROQUE

Sempre receberam muita procura, mas desde setembro do ano passado Marlene sente “que há mais necessidade de vagas em creches”.

Em berçário têm 8 lugares e ponderam abrir uma nova sala. Têm uma lista de espera, com pelo menos 10 pessoas inscritas à espera de deixar ali os filhos, havendo famílias a alargar a licença de parentalidade, enquanto não surge vaga. Mas além das inscrições, diariamente a instituição recebe vários pedidos. “As pessoas telefonam, enviam email e vêm pessoalmente. Se tivesse capacidade, com certeza iria ter outro berçário lotado, com pelo menos 8 a 10 crianças, porque as solicitações são muitas”, frisa.

AUMENTO DA NATALIDADE E EMIGRAÇÃO

Acredita que o aumento também está relacionado com o fenómeno de emigração, essencialmente de brasileiros que chegam e procuram a resposta, além de terem nascido mais crianças em Chaves no último ano. “Houve um aumento da natalidade, o ano passado creio que nasceram 400 crianças, e mais as crianças que vêm de fora, é difícil a mesma oferta dar resposta a tanta procura”, justifica.

Desde que entrou em vigor a gratuitidade das creches notou também uma alteração na procura. “Os pais quando tinham oportunidade deixavam os filhos com os avós alguns meses, para protelar a entrada e não terem de fazer o pagamento desse serviço. Com a questão da gratuitidade não sei se não haverá mais procura, pode ser um dos fatores”, aponta.

SALTO

Na vila de Salto, Montalegre, Catarina Gonçalves, de 38 anos, é uma das seis mães que tiveram filhos, só no último ano. “O que é bastante para a freguesia”. Todos se debatem com o mesmo problema: falta de creche. A sua segunda filha fez um mês e Catarina explica que continua a trabalhar a partir de casa. A advogada reconhece, no entanto, que quando recomeçar as diligências no exterior, o que estará para breve, “vai ser mais complicado”. Como conta com retaguarda familiar, consegue assegurar o serviço, mas não tem nenhuma resposta social nem na localidade, nem próximo. A 40 quilómetros da sede de concelho, seria difícil recorrer à creche em Montalegre e compatibilizar as viagens com o trabalho. “Podia pensar na alternativa da creche em Cabeceiras de Basto, mas não está em cima da mesa até porque não tenho vaga, estou um pouco limitada”, reconhece, já que “dão prioridade aos residentes e as pessoas daqui ficam praticamente eliminadas”.

“Para grande parte das pessoas ou se mantêm em casa até as crianças irem para o pré-escolar ou enfrentam a lista de espera em Cabeceiras (20 km) ou Montalegre”, explica.

A também presidente de junta de freguesia de Salto adianta que há um projeto para uma creche, que não é uma ideia nova. “Já há vários anos que se fala da necessidade, e agora voltámos à carga com este assunto, porque nos parece urgente tratar. Temos tido alguns nascimentos, cada vez mais se justifica a criação desta resposta social, o enquadramento tem sido cada vez mais favorável e por parte do município há também um interesse grande em dar solução a estas famílias que queiram ter mais filhos”, aponta.

“A creche já não será resposta para a minha filha, mas será para muitas outras famílias”
CATARINA GONÇALVES
SALTO

O projeto já foi candidatado, mas apesar da aprovação para a infraestrutura por parte da Segurança Social, houve algumas limitações no parecer, relacionadas com o estacionamento. “As infraestruturas estão aprovadas e há da parte do município uma intervenção grande no sentido da Segurança Social se rever nesse projeto e assegurar a sua comparticipação, nos postos de trabalho e em relação às crianças”.

Com o projeto feito, a localização foi alterada, para o espaço junto ao lar e ao futuro pavilhão polidesportivo. Espera agora luz verde da tutela, havendo a garantia de apoio por parte do município.

A creche já não será resposta para a Maria, “mas será para muitas outras famílias”.
O facto de não haver creche em Salto não foi impeditivo no caso de Catarina para ter a segunda filha. “Mas claro que me preocupa que o resto da comunidade não tenha a resposta. Até porque conheço vários casais que pensam nessa falta de resposta e isso é determinante para não terem mais filhos”, afirma.

Para garantir a viabilidade do projeto a oferta foi alargada a outras freguesias que circundam a freguesia, incluindo dos concelhos de Boticas e Vieira do Minho. “Está mais do que justificada a criação dessa infraestrutura”, defende.

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