Sábado, 14 de Dezembro de 2024
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Um referendo ardiloso

  1- Como foi anunciado, vai realizar-se no dia onze do próximo mês de Fevereiro deste ano um referendo sobre o aborto. O texto oficial do referendo usa uma linguagem técnica: concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez feita a pedido da mulher num hospital autorizado até às dez semanas de vida? Deixando […]

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1- Como foi anunciado, vai realizar-se no dia onze do próximo mês de Fevereiro deste ano um referendo sobre o aborto. O texto oficial do referendo usa uma linguagem técnica: concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez feita a pedido da mulher num hospital autorizado até às dez semanas de vida?

Deixando de lado o tecnicismo da linguagem, trata-se de autorizar que uma mãe, mesmo nova e saudável, solteira, casada ou viúva, possa requerer em qualquer hospital público o aborto do seu próprio filho até às dez semanas de geração. Não se trata, portanto, do aborto de uma criança anormal, nem fruto de uma violação, nem de um caso traumático para a mãe, pois isso já está legalizado.

Em comunicado recente, a Conferência dos Bispos Portugueses (CEP) ensina que os cristãos devem votar claramente NÃO. A posição dos bispos insere-se no seu magistério comum de pastores da Igreja, anterior e acima das campanhas políticas, e devia bastar esta palavra directa, clara e autorizada daqueles a quem foi confiado o ministério de educação da consciência moral, para um comportamento coerente.

As campanhas políticas introduzem subtilezas de palavras e intenções, e misturam paixões humanas e partidárias. Os abortistas dizem ser único objectivo extirpar o aborto clandestino e despertam o sentimento de compaixão pela mulher que abortou. Compreende-se. Mas o que realmente se pergunta na consulta do referendo e se quer legislar é o direito de a mãe, qualquer mãe, poder pedir a morte do filho, mesmo saudável, até às dez semanas. Esse é o drama.

2- O documento dos bispos manda ainda aos cristãos que expliquem aos outros as razões do seu voto. Por isso se apresentam aqui, em síntese, as cinco razões constantes daquele comunicado dos bispos para votar NÃO:

1º- Abortar é matar um ser humano, já presente em todas as suas potencialidades desde o início, e matar é um pecado grave contra o 5º mandamento, «não matarás».

2ª- Abortar nunca pode ser um direito da mulher. A mulher tem o direito de não conceber, mas, concebendo, a vida da criança é outra vida diferente da sua.

3ª- O falar de «despenalização» do aborto parece só querer retirar o castigo da mãe, mas de facto vai mais longe: cria o direito de a mãe abortar.

4ª- O aborto legalizado far-se-ia com dinheiros públicos e concederia o direito de empresas privadas criarem clínicas abortadeiras.

5ª- O aborto legalizado não resolve o drama do «aborto clandestino».

A primeira destas cinco razões é uma razão de moral natural e cristã e obriga em consciência. Subjacente a esta posição está a certeza de que o ser humano é um todo contínuo, ininterrupto desde a fecundação. Isto é hoje confirmado pela Ciência.

A segunda dessas razões diz que o corpo de um nascituro no ventre materno é distinto dele, até pode ser de outro sexo e de outra raça. São coisas evidentes.

A terceira razão lembra que a lei iria «liberalizar» o aborto. Na verdade, quando somente se «despenalizam» certos comportamentos, retira-se-lhes a classificação de «crime» mas eles continuam a ser «proibidos» e sujeitos a coimas, como é o caso do consumo de droga e o não pagamento de dívidas que deixaram de ser crimes mas continuam ser comportamentos proibidos e sujeitos a multa. Ora no caso deste referendo sobre o aborto, ele deixaria de ser crime e deixaria de ser proibido. O Estado diz claramente que se compromete a fazê–lo nos hospitais públicos e com dinheiros públicos, agindo como se se tratasse se uma doença. Deste modo, é o próprio Estado a confessar que pretende mais que «despenalizar». Na prática cria-se um «direito cívico», isto é, se o aborto for permitido e pago pelo Estado, todas as mulheres ficam com o direito de solicitar esse serviço. Imagine-se a pressão que namorados, maridos e abusadores irão exercer sobre as mulheres que não queiram abortar o filho fruto de liberdades, surpresas e abusos. A «libertação» da mulher acabaria por gerar outra «prisão».

A quarta razão refere-se ao comércio nascido do direito de abortar, dando lugar a clínicas formadas por cidadãos nacionais e estrangeiros. Paradoxalmente, teríamos os poderes económicos a fazer negócios com abortos e o Estado a cobrar impostos pelos lucros auferidos por aqueles cidadãos.

A quinta razão cita a inutilidade da lei na erradicação do aborto clandestino. Ninguém sabe o número de abortos clandestinos, cada um diz o número que quer. O que se sabe é que onde se legalizou o aborto, aumentou o seu número. E haverá sempre pessoas, mesmo humildes, que, para manter o anonimato e por outros motivos, não recorrerão aos hospitais.

Algumas razões de natureza sociológica podem sempre discutir-se, mas o núcleo central é indiscutível: nunca pode autorizar-se a morte do filho.

3- Em conclusão, os governantes encontram na sociedade actual situações gravíssimas nascidas dos abusos da liberdade. Para remediar essas situações, os governos terão de recorrer aos meios educativos e sociais, e não estabelecer como um meio legal a morte de pessoas, e ainda por cima pessoas inocentes. A praga do jogo clandestino e do consumo pessoal da droga, por exemplo, ainda se podem atenuar pela legalização, à custa dos próprios e da sociedade, aliviando terceiras pessoas e não se mata ninguém. Porém, no caso do aborto clandestino a pretensão é totalmente diferente: o hipotético alívio da mãe faz- -se à custa da morte de outros e inocentes.

Se se introduzir o direito de abortar, estabelece-se o direito de matar para resolver problemas sociais de alguns, a vida deixa de ser o bem maior e fica sujeita a outros interesses menores dos cidadãos. Seria a inversão de tudo. O aborto clandestino é mau por ser clandestino e é péssimo por ser aborto. Fixar o coração exclusivamente na clandestinidade é o ardil.

A atitude mais sensata ainda será manter o princípio legal da defesa da vida e entregar à jurisprudência julgar das atenuantes de cada passo errado. E o facto é que há mais de vinte anos que não se conhece em Portugal a prisão de nenhuma mulher por causa disso. A lei da defesa da vida, porém, mantém-se como orientação geral dos cidadãos.

 

* Bispo de Vila Real

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