Segunda-feira, 9 de Dezembro de 2024
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A CARITAS e outras expressões de caridade

O próximo Domingo é o dia oficial da Caritas. Dada a sua importância na vida da Igreja, explicitamente referida pelo Papa na encíclica «Deus caritas est» (Deus é amor, nº 31), trago para aqui algumas reflexões extraídas daquele documento pontifício publicado no ano de 2005, para ajudar os fiéis a viver esta jornada. Costuma dividir-se […]

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O próximo Domingo é o dia oficial da Caritas. Dada a sua importância na vida da Igreja, explicitamente referida pelo Papa na encíclica «Deus caritas est» (Deus é amor, nº 31), trago para aqui algumas reflexões extraídas daquele documento pontifício publicado no ano de 2005, para ajudar os fiéis a viver esta jornada.

Costuma dividir-se a missão da Igreja em três aspectos inseparáveis: proclamar a pessoa de Jesus Cristo como Salvador e a sua mensagem (pregação, catequese), celebrar o culto em ordem à renovação interior da pessoa e intimidade com Deus (liturgia e oração) e testemunhar o amor ao próximo (caridade). Esta última actividade é o fruto das outras duas, mas, diante do mundo, é o rosto mais sensível da fé cristã e a face que a torna admirada pelo mundo.

Naquela encíclica, o Santo Padre ensina que no nosso tempo são variadas as «organizações que se dedicam a servir o ser humano nas suas necessidades e isto explica-se fundamentalmente pelo facto de o imperativo do amor ao próximo ter sido inscrito pelo Criador na própria natureza do ser humano», «mas também como efeito da presença do Cristianismo que não cessa de despertar e tornar eficaz esse imperativo natural, muitas vezes obscurecido ao longo da história». O imperador Juliano, apóstata da fé, admirava esta força de amor cristão e procurou manter no império romano esta capacidade de ajudar os outros sem ter de recorrer aos meios cristãos e, de facto, «a força do cristianismo propagou–se muito para além das fronteiras da fé cristã», mas, sem a força da fé, essa acção perdeu vitalidade e qualidade. No nosso tempo, por causa de toda essa diversidade de organizações assistenciais, «é muito importante que a actividade caritativa da Igreja se não dissolva na organização social comum, tornando-se uma simples variante da mesma». Por muitas e louváveis que sejam as organizações oficiais, «elas nunca tornarão supérfluo o serviço do amor. E um Estado que queira prover a tudo e tudo açambarcar torna-se, no fim de contas, uma instância burocrática que não pode assegurar o essencial de que o ser humano sofredor, todo o ser humano, tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio da subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade das pessoas carecidas de ajuda».

O amor cristão exprime-se em gestos individuais conforme as circunstâncias da vida de cada um, e também em formas organizadas a fim de poder acorrer a situações de carências permanentes, epidemias e catástrofes de grandes dimensões. É aqui que se situa a Cáritas como forma organizada da caridade cristã, em plano internacional, nacional e diocesano.

A nossa diocese, e concretamente a cidade de Vila Real, já experimentou a sua eficácia em anos difíceis, estando na memória de todos a acção do Dr. Manuel Borges, um sacerdote que aliava o saber e amor pela Bíblia ao amor e dedicação aos pobres. Actualmente, a Caritas diocesana tem colaborado em campanhas oficiais organizadas pela Caritas nacional para responder a catástrofes naturais e internacionais e a apelos da Igreja. No dia a dia, atende casos que lhe são apresentados e há anos que mantém em actividade, sem intuitos lucrativos, na paróquia de Mondrões, Vila Real, o «Projecto Homem», uma estrutura de terapia de toxicodependentes vindos de todo o distrito/diocese e de terras vizinhas e que exerce também uma acção preventiva por acções pedagógicas junto dos jovens e escolas. Muitas paróquias têm em funcionamento «Centros sociais» para idosos, crianças e jovens, e existem ainda as «Misericórdias». Nenhuma dessas actividades, destinadas a acções concretas no meio, não invalida a necessidade da «Caritas diocesana» que tem vocação própria e acção especial.

Para todos os casos – Caritas, Centros sociais, Misericórdias e Conferências de S. Vicente de Paulo –, vem a propósito lembrar os elementos que o Papa diz formarem a alma da caridade cristã e eclesial:

a) Um grande sentido de profissionalismo, de competência profissional, colocando meios e pessoas capazes de prestar os serviços aos doentes, e de modo continuado. Todavia, essa competência não basta, requer-se a «formação do coração», que leve esses profissionais àquele encontro com Deus em Cristo, de tal modo que a dedicação ao próximo não venha de uma imposição exterior, mas resulte da sua fé». É dever das organizações caritativas da Igreja reforçar de tal modo esta consciência nos seus membros que estes, através do seu agir – como também do seu falar, do seu silêncio, do seu exemplo -, se tornem testemunhas credíveis de Cristo» É essa alma que forma o específico da fé cristã e que leva as estruturas do mundo a desejar ter nos seus quadros pessoas cristãs.

b) A actividade caritativa cristã deve ser independente de partidos e ideologias. «Não é um meio para mudar o mundo segundo as ideologias, nem está ao serviço de estratégias mundanas, mas é actualização daquele amor de que o ser humano sempre tem necessidade». O Papa recorda as ideologias do progresso, mormente o marxismo, que, a partir do séc. XIX, tentaram desvalorizara a acção a Igreja fazendo crer que, quem serve as pessoas carecidas numa estrutura pública de injustiça, é responsável pela manutenção desse sistema porque refreia o potencial revolucionário, devendo substituir essa caridade pela luta contra os opressores. Essa era a acusação contra a Madre Teresa de Calcutá. O Papa chama a essas ideologias «desumanas» na medida em que, para alcançar um objectivo distante, sacrificam a esse «deus moloch» o presente, e contrapõe a tais ideologias o exemplo do Samaritano: ajudar o que realmente precisa, agora e já, seja quem for e qualquer que seja a estrutura política. Isto não significa que a Igreja defenda m individualismo, e o Papa lembra que, ao lado da caridade espontânea de cada um, há a «actividade caritativa da Igreja em forma comunitária e esta deve obedecer a uma programação, sentido de previdência do futuro e colaboração com outras instituições idênticas».

c) Finalmente, a caridade não deve ser um meio de proselitismo, a tentativa de impor a fé da Igreja. O amor é gratuito, não é idealizado para alcançar outros fins. Essa gratuitidade não significa que o cristão deva deixar Deus e Cristo de lado, pois Ele é a fonte da vida e acção dos cristãos. «O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar unicamente o amor».

Numa palavra, a Caridade cristã nasce da fé e do amor de Cristo. Pode não se falar sempre dessa fonte, mas ela tem de se manter viva. A grande heresia do mundo é, como diz o poeta Eliot, tentar dispensar essa fonte: «Os homens buscam sempre evadir-se da escuridão exterior e interior sonhando sistemas tão perfeitos que deixe de haver necessidade de se ser bom».

 

* Bispo de Vila Real

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