35 anos depois, agora em Riga, capital da Letónia, Rosa Mota (com 65 anos de idade e com o mesmo aspeto franzino e sorridente) bateu o record do mundo da meia maratona para veteranos, tirando mais de seis minutos à melhor marca anterior, que era da suíça Emmi Luthi. Esta prova (destinada a atletas com idade entre os 65 e os 69 anos) é paralela aos campeonatos mundiais de estrada em atletismo. Rosa Mota não só venceu e bateu o record da prova como dominou inteiramente, deixando a segunda classificada, a finlandesa Kaarina Back, a 22 minutos de distância.
“A Rosa Mota é mais importante do que todos os governos ou presidentes de Portugal”
Marcelo Rebelo de Sousa, no “site” do Diário de Notícias, em 1 de outubro de 2023
À pequenina Rosa, “Rosinha” fica-lhe bem
Em 1988, a Rosa (muita gente gosta mesmo de lhe chamar “Rosinha”, ao mesmo jeito do que fazem os vizinhos de um bairro popular) era uma mulher a dar para o pequenino. Quando entrou no estádio, isolada, treze segundos antes de todas as demais (mulheres fortes do Leste, mulheres altas dos países nórdicos, mulheres convencidas dos “States” e as negras africanas que eram quase sempre as favoritas) toda a gente exclamou o “Ohhh!” da surpresa. Aquela miúda era portuguesa, chamava-se Rosa e parecia uma mota a vencer os quilómetros da mais longa prova dos jogos. Com tanta determinação ia ela que depois de cortar a meta como vencedora continuou a correr por ali fora, até que um comissário de pista a fez parar: “Tinham-me dito que devia dar mais uma volta à pista depois de cortar a meta pela primeira vez. Afinal não foi preciso, mas se fosse, eu iria ganhar na mesma” – afirmou ela, sob o ar feliz e divertido do seu treinador José Pedrosa (mais tarde também marido).
Ao quilómetro 38 havia quatro atletas isoladas na frente. Lisa Martin, australiana que ficaria com a medalha de prata, disse logo a seguir à conclusão da prova: “Nunca deixei de pensar: somos quatro para três medalhas. Uma de nós vai ficar triste!”. Foi a russa/soviética Polovinski a primeira a ceder. Mais à frente atrasou-se Kathrin Doerre (alemã “oriental”) e só depois a tal Lisa Martin (Rosa teve 13 segundos a menos que esta e cerca de cem metros de avanço). Foi uma luta enorme.
“Rosa Mota levou umas senhoras a passear pelas ruas de Seul e quando se viu outra vez à porta do estádio largou a correr e deixou as suas companheiras de passeio para trás”.
Relato do jornal norte-americano “N. Y. Herald Tribune”, em outubro de 1988
Um amigo em cada português
Rosa Mota não foi atleta do Benfica ou do Sporting. Também não representou o F. C. Porto, mas foi na cidade invicta que nasceu. Na Foz. A princípio ninguém dava nada por aquela “dez réis de gente” que nadava e andava de bicicleta, sempre à beira-mar. Para mais, Rosa era asmática.
“Não interessa ganhar ou perder. O importante no atletismo é fazer amigos” – afirmou em 24 de setembro de 1989.
De Rosa Mota se poderá dizer que é um caso excecional de simpatia e de simplicidade, de tal forma que conta com um amigo em cada português.
“A mulher da Maratona dos Jogos Olímpicos de Seul está no atletismo como quem respira. Para ela, correr é uma festa e pensa entrar em provas enquanto tiver saúde que lhe permita a prática do desporto. Nessa altura já não será peça influente da seleção portuguesa nas grandes competições internacionais, mas será ainda e sempre uma atleta”. Quem escreveu isto, no Jornal de Notícias, acertou em cheio. 35 anos depois, aqui temos Rosa Mota ao seu melhor nível, tal como fazia sempre que participava em provas populares.
“Participo sempre em todas as provas para que me convidem. Gosto muito de correr essas provas com gente do povo, de todos os géneros, condições e idades”.
Muitas contas para contar
Tantas coisas importantes aconteceram no mundo, na década de oitenta do século passado: Portugal entrou na Comunidade Económica Europeia / CEE, hoje União Europeia. Apareceram o multibanco e o cubo de Rubik, tiveram grande aceitação os primeiros jogos eletrónicos, percursores da revolução informática. O culto do exercício físico cresceu mas a SIDA atrapalhou as relações entre as pessoas. Surgiram Madonna, Michael Jackson, os Nirvana, Iron Maiden e os Metallica. Em Portugal, António Variações, Teresa Salgueiro, as Doce. Muitas bandas rock e pop. Houve Camarate e o incêndio no Chiado. Morreu John Lennon e casaram Diana e o príncipe Carlos.
Muitas contas para contar. Ponto sublime: Rosa Mota venceu a Maratona de Seul. 35 anos depois, a de Riga. Ontem como hoje.
Mas a década de oitenta começou com as olimpíadas de Moscovo e com os movimentos de contestação e muitos protestos contra a ocupação soviética do Afeganistão (facto que se repete em 2023, mudando o invadido, desta vez a Ucrânia, e o invasor, desta vez, é a Rússia). Quatro anos depois, foi a URSS a boicotar os Jogos Olímpicos de Los Angeles (EUA).
Indiferentes a estas jogadas políticas das grandes potências que arrastaram vários outros países atrás das suas movimentações, também através do desporto, os atletas olímpicos portugueses começaram a brilhar: Carlos Lopes venceu a Maratona, em Los Angeles, na América, dando a Portugal a sua primeira medalha de ouro; António Leitão arrecadou a medalha de bronze nos 5.000 metros e a nossa “Rosinha” repetiu o feito de Lopes e ganhou a Maratona feminina, na Ásia.
Não deu para acreditar! Um satélite artificial no espaço!
4 de outubro de 1957. O mundo acordou com a notícia de que a URSS / União Soviética lançara no espaço o primeiro satélite artificial (era essa a designação oficial) da Terra. A admiração foi geral e houve mesmo quem não tivesse acreditado. Houve até individualidades que o declararam “impossível”, atribuindo à notícia, com alguma incipiência, a “propaganda” dos soviéticos em que estes eram “especialistas”. Começava logo aí a desenhar-se a rivalidade política das duas potências, uma tentando sobrepor-se à outra. Mais tarde, ambas reuniram esforços para objetivos comuns.
Outros mostravam expectativas temerosas: “o que poderá resultar daqui para o nosso futuro?”.
Já o “New York Herald Tribune”, acintosamente, assegurava que “a União Soviética nunca se adiantará aos EUA na construção de foguetões, uma vez que na esfera da ciência está muito atrás das principais nações civilizadas”. Mas a comunidade científica mundial reconhecia que a URSS ganhava vantagem, “por importar cérebros”, o que os Estados Unidos não fazia.
“Voar livremente pelos espaços é um sonho que vem dos primórdios da Humanidade, ganhando corpo para além das manifestações oníricas. Esta obsessão traduz sem dúvida uma vontade irreprimível da espécie humana”
in “Diário de Lisboa” de 4 de outubro de 1977 – vinte anos após o lançamento do “Sputnik 1”
Cadelas, ratos, tartarugas e um chimpanzé. Os astronautas vieram depois.
Mas não foi um homem o primeiro habitante terrestre a viajar no espaço. Foi uma cadela (“Laika”) e mais algumas delas logo a seguir à primeira e mais mediatizada, assim como alguns roedores, tartarugas e um primata chimpanzé.
Claro que o “Sputnik” não podia ser a Arca de Noé, mas faltava testar as incidências das atmosferas – ou da falta delas – do Espaço no corpo dos astronautas. Algum deveria ser o primeiro. Foi Yuri Gagarin.
CRONOLOGIA
4 de outubro de 1957 – Lançamento do primeiro satélite artificial soviético “Sputnik”.
4 de outubro de 1959 – Primeiro voo à volta da Lua pela sonda soviética “Luna 3” transmite fotos da superfície lunar
12 de abril de 1961 – Yuri Gagarin é o primeiro homem a ser colocado no espaço.
21 de fevereiro de 1962 – O americano John Glenn realiza o primeiro voo orbital em torno da Terra.
16 de junho de 1963 – Valentina Tereschkova é a primeira mulher cosmonauta, passando mais de dois dias no espaço.
19 de março de 1965 – O soviético Alexis Leonov é o primeiro cosmonauta a sair da sonda para o espaço, durante 20 minutos.
6 de abril de 1965 – Lançamento do primeiro satélite de telecomunicações pelos EUA.
21 de julho de 1969 – Os americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin são os primeiros homens a caminhar na superfície lunar (“Apollo 11”).