Conseguiu trabalhar a partir de Bragança, instalando aqui as sedes das secretarias de Estado. Foi difícil convencer António Costa a fazer essa descentralização?
Não foi nada difícil. António Costa é um acérrimo defensor do desenvolvimento regional, da coesão territorial e da valorização do interior, motivo pelo qual criou, pela primeira vez, o ministério da Coesão Territorial, que eu tive o gosto de integrar, primeiro como secretária de Estado da Valorização do Interior e, depois, do Desenvolvimento Regional. Quando pensámos nesta possibilidade de localizar as secretarias de Estado aqui em Bragança percebemos que fazia todo o sentido, acima de tudo para mostrar que é possível trabalhar e governar a partir de qualquer ponto do país.
Como é que foi essa experiência de governar a partir de Bragança? Mais fácil tendo em conta a proximidade com a população?
Foi muito gratificante até porque foi possível ter pessoas transmontanas a trabalhar nas secretarias de Estado. Sabemos que muitas delas às vezes recebem convites, mas como é em Lisboa acabam por não aceitar. E foi gratificante porque nas audiências que fazia todas as semanas recebia pessoas tanto a nível individual como empresas e associações, e agradava-lhes terem a oportunidade de serem recebidos pelo Governo, mas em Bragança e sentiam-se mais confortáveis. Recebi centenas de pessoas ao longo destes mais de quatro anos e autarcas também. A pasta do desenvolvimento regional exige uma grande proximidade com os atores locais. Para atingirmos as metas de convergência com a União Europeia e ter territórios prósperos e competitivos precisamos de todos. Claro que há um trabalho mais técnico que precisa de ser feito em gabinete, como encerrar um quadro comunitário e negociar um novo, mas o importante é o trabalho feito no terreno, de proximidade, para sentir as dificuldades e conhecer os projetos da região, além de perceber as oportunidades onde se pode apostar.
Que medidas destaca desse período em que foi secretária de Estado?
Destaco, desde logo, o programa de valorização do interior. Foi um programa pensado com base nos eixos estruturantes para o desenvolvimento dos territórios e que, pela primeira vez, criou e dirigiu os fundos comunitários para estes territórios, com medidas de apoio ao emprego, ao investimento empresarial, ao estudo científico e tecnológico. Toda essa dinâmica foi extremamente importante e o balanço deste programa é bastante positivo porque permitiu canalizar praticamente seis mil milhões de euros para o interior do país, criou mais de 34 mil postos de trabalho diretos e isso é um marco, além de tudo o que foi feito na criação de espaços de teletrabalho. Durante a campanha para deputada visitei muitas empresas que beneficiaram deste programa.
O que ficou por fazer?
É um trabalho inacabado, sobretudo quando temos no país grandes assimetrias do ponto de vista socioeconómico e a população concentrada em 20% do território nacional. Isso exige muito das políticas do Governo central e dos autarcas. São precisas medidas atrativas para fixar população e ainda falta fazer muita coisa. Precisamos de medidas, sobretudo para os jovens. Hoje temos uma realidade injusta, quando se diz que os jovens vão embora porque não há condições e os salários são baixos. Isso foi uma realidade do tempo da Troika. Hoje temos jovens bastante qualificados, capazes de ter emprego em qualquer parte do mundo. Passamos de ser um país com alta taxa de analfabetismo para um país de gente altamente qualificada e com o projeto europeu vão com facilidade para países onde os salários são melhores. O objetivo é garantir que aqui temos empregos competitivos, tão importantes para desenvolver as regiões do interior. Isso só se consegue com uma aposta forte na ciência e na tecnologia. É preciso, também, continuar a apostar no investimento empresarial, para que todos os locais tenham diversidade de oferta de emprego. Temos, acima de tudo, de abandonar a ideia de que o interior é rural, sendo que isso é dito numa perspetiva depreciativa. Temos um interior rural sim, mas assente numa economia diversa em áreas como o turismo e a base tecnológica. Há muito que fazer desse ponto de vista para que os jovens possam escolher onde querem trabalhar. Todos os locais têm de ser atrativos, é um trabalho que nunca está acabado, há sempre algo mais a fazer.
Foi esse um dos motivos que a levou a aceitar o desafio de ser cabeça de lista do PS e, consequentemente, eleita deputada da Assembleia? Poder continuar esse trabalho do outro lado da “barricada”?
De certa forma sim. Há um sentimento que passei a ter enquanto governante que não tinha como professora que é o sentimento de dívida. Embora como professora tenha sempre contribuído para a causa pública e para o desenvolvimento dos territórios, aqui é um trabalho mais individual. No Governo há a pressão dos compromissos, mas também a pressão que as pessoas nos colocam com as suas dificuldades diárias. Quando recebi o convite do secretário-geral do PS para ser cabeça de lista não hesitei porque é uma oportunidade de dar continuidade a esta causa.
E como está a correr este novo desafio?
É um desafio diferente, mas também uma grande lição de democracia que temos de aprender, ou seja, um dia estamos a governar e no seguinte estamos na oposição. É algo saudável e desejável. Independentemente disso, é importante pensar em medidas de desenvolvimento para o nosso país e desse ponto de vista tem sido muito gratificante porque tivemos a oportunidade de estabelecer, no programa eleitoral, cinco medidas prioritárias para apresentar no Parlamento e todas elas foram, entretanto, aprovadas. E algumas têm um grande impacto na vida das pessoas como o alargamento do alojamento estudantil à classe média, possibilitando que os estudantes sem bolsa, mas com rendimentos até ao sexto escalão, possam ter acesso às residências públicas e, não havendo vaga, também tenham acesso ao complemento de alojamento. Outra medida que destaco é a questão da tarifa da eletricidade. Ser deputada tem sido uma experiência gratificante porque é uma oportunidade que temos de fazer acontecer. Além disso, fiquei grata pelo convite de Pedro Nuno Santos para ser vice-presidente do grupo parlamentar, que para mim é uma grande responsabilidade.
Com o novo Governo, Bragança ganhou um novo secretário de Estado, mas acabou por perder a sede da secretaria, que voltou para Lisboa. Isso deixou-a triste?
De certa forma sim, mas ainda estamos no início deste novo Governo e espero que se possa manter cá a secretaria de Estado porque é um exemplo de que é possível trabalhar a partir do interior e, neste caso, a partir de Bragança.
Já falou de algumas medidas mais de âmbito nacional, mas para o distrito de Bragança que temas pretendem levar a debate no Parlamento?
Algumas das medidas são mais de âmbito nacional, sim, mas afetam diariamente quem está também no interior do país. No caso de Bragança estamos a falar de um distrito com enorme potencial em alguns setores, como o agroalimentar, com produtos e projetos de excelente qualidade. Depois temos um centro de investigação e um laboratório associado que trabalham a ciência e a tecnologia nesse setor, o que é uma mais-valia. Além disso, temos ainda um laboratório ibério ligado a essas temáticas. É preciso perceber que o investimento empresarial traz retorno ao território. Apostar nestes setores trouxe desenvolvimento económico à região porque atraiu jovens para aqui estudarem. Depois é preciso acompanhar isso com grandes projetos como é o caso da ligação Bragança-Vinhais e Bragança-Puebla, além de se continuar a apostar na conectividade digital.
Olhando numa perspetiva mais pessoal, como é conciliar as viagens a Lisboa e a vida em Bragança?
Há um aspeto diferente agora. Enquanto que o Governo pede exclusividade de funções, enquanto deputada no Parlamento, posso conciliar o trabalho com a investigação e a docência no ensino superior, o que facilita muito e me mantém motivada. Na verdade, não mudou muita coisa porque a vida continua agitada, e é motivador ver que as nossas iniciativas têm impacto na vida das pessoas.
E é mais difícil ser professora, investigadora, secretária de Estado ou deputada?
Todos esses cargos têm a sua dificuldade. Como já disse, enquanto professora e cientista não tinha este sentimento de dívida para com as pessoas e isso traz uma dificuldade acrescida. O importante aqui é dizer que gosto muito do que faço e faço-o com dedicação e determinação, foi sempre assim e continuará a ser.
Assim sendo, como espera que um dia a recordem?
Essa pergunta faz-me lembrar algumas coisas que fui ouvindo durante a campanha, em que estamos expostos a coisas boas e menos boas. Às vezes é injusto quando nos dizem que não fazemos nada pela região, quando não é verdade. Nos últimos anos, seja em que função for, tenho feito muita coisa em prol de Bragança. Por isso, a única coisa que peço é reconhecimento pelo trabalho que fazemos. Acho que é isso que falta um pouco, reconhecimento.