Oportunidade para lembrarmos o primeiro bebé de todos os “bebés-provetas” do planeta (ninguém sabe quantos há hoje) que, por sinal, foi uma menina. Chama-se Louise Brown e nasceu também no mês de julho, no dia 25, do ano de 1978. O local em que a criança nasceu foi um hospital, como não podia deixar de ser, em Oldham (Reino Unido), perto de Manchester.
A década de setenta do século passado teve descobertas fantásticas em relação aos bebés. Nesse tempo, confirmava-se a tendência da quebra da natalidade explicada por diversos fatores. Muitos deles teriam exponenciais de crescimento em anos seguintes: a libertação da mulher; a frequência do ensino superior e a adesão a estudos avançados por estas; consequentemente, trabalho profissional fora de casa, em detrimento da sua tradicional condição de “doméstica” como era habitualmente referidaquando se inquiria a sua profissão; a mudança de hábitos na família, no namoro e no casamento, nas relações pessoais; com sistemas novos de controlo de natalidade (a pílula foi outra grande descoberta com todas as suas “nuances”); as novas componentes sociais no tratamento de bebés (já não diretamente cometido às mães, mas a amas, “baby sitters”, às creches e infantários) incluindo a saúde, as condições sanitárias e o processo educacional.
Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus. Ele os criou Homem e Mulher. Abençoando-os, Deus disse: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra”.
Génesis, 27 -28
“OS PRIMEIROS PASSOS DE OUTRA VIDA”
Nos anos 70, explorando a tecnologia de formação de imagens por ultrassons, nasce a revolucionária técnica da ecografia. De repente, conseguem-se imagens em tempo real do interior do corpo humano, da cabeça até aos pés, de forma não intrusiva, praticamente em todos os órgãos mais ou menos sensíveis. Esta técnica vulgariza-se sobretudo no acompanhamento da gravidez.
Para além disso, as consultas médicas mudaram de tom, a engenharia genética entrou em ação, mesmo desde o processo de fecundação até ao parto e pós-parto.
Os bebés passaram a ter cuidados acessórios ou complementares antes não considerados como importantes, desde os alimentos em substituição da amamentação pelo seio materno até às fraldas descartáveis.
“Tempos modernos” – titulava, na época, a revista “Opção” de agosto de 1978, acrescentando: “estes são os primeiros passos de outra vida”. E até extrapolava, profeticamente: “Alheio às experiências de que é produto, poderá o bebé-proveta vir a transformar-se num inesperado Caim bíblico”.
25 de julho de 1978. A conceção “in vitro” foi um acontecimento extraordinário. Perante a vulgaridade da situação nos tempos de hoje (outros surgiram entretanto, não menos benevolentes), já não há a noção de que esse poderoso meio de criação (a Igreja dividiu-se, na altura, acumulando algum espanto perante a inseminação artificial em seres humanos e a expectativa de uma espera para verificação dos resultados e das perspetivas futuras) teve efeitos sociais, culturais, éticos, filosóficos, ideológicos, económicos, maiores e mais profundos (abertos à discussão) que os atuais avanços das comunicações que já sabemos e da inteligência artificial que iremos saber num futuro próximo).
“As manchetes da imprensa mundial, falando de o maior milagre e de o bebé do século relativamente ao nascimento da menina Brown ajudaram a que a profecia de Aldous Huxley se tornasse realidade e o empolamento foi de tal ordem que nos telejornais da Europa e dos Estados Unidos nas histórias embrionárias de um antes desconhecido casal inglês (senhora Lesley e senhor Gilbert Brown) adquirissem mais importância do que assuntos como o Médio Oriente e a situação financeira internacional”.
B. P. , em “Opção” de 3 a 9 de agosto de 1978
RESOLVER PROBLEMAS DE ESTERILIDADE, MAS NÃO SÓ
O nascimento de Louise Brown (agora com 46 anos de idade e mãe de filhos que nasceram de parto natural) culminou um longo trabalho de investigação (mais de 20 anos) levado a cabo pelos médicos Patrick Steptoe e Robert Edwards. Louise nasceu com 2,600 quilogramas. A técnica utilizada (hoje clássica e frequente) consistiu em retirar da mãe um óvulo e fazê-lo fecundar “in vitro”, numa proveta (tão fácil como isso) com um espermatozoide do pai.Uma vez fecundado o óvulo, o embrião resultante foi criteriosamente colocado no útero materno e a gravidez seguiu o seu curso normal.
Já se viu que este processo resolve problemas de fertilidade. Posteriormente, outras questões surgiram, mais polémicas, no caso de espermatozoide de outro indivíduo que não o pai, utilização das chamadas “barrigas de aluguer” ou, como há pouco tempo aconteceu entre nós, o nascimento de uma criança com este tipo de fecundação feita após a morte do pai. Situações derivadas deste processo hoje já pouco se discute.
Outro processo não menos admirável foi a clonagem de uma ovelha. Aconteceu em 5 de julho de 1996.
EIS SENÃO QUANDO SURGE A DOLLY
“Eis senão quando surge a clonagem e o aparente retorno a uma ordem transitoriamente desfeita e com ela ressurge também o clamor técnico dos riscos iminentes, imprevisíveis, incontroláveis para a spécie humana”
M. Pereira Coelho, in “Notícias do Milénio” de 8 de julho de 1999.
A ovelha Dolly ficou para a História como o primeiro mamífero clonado a nascer através da transferência nuclear duma célula (mamária, no caso) adulta (de uma ovelha de seis anos). Estava assim aberta a porta a uma série de potencialidades na biologia e na medicina.
“«Criaturas»– Produtos da geração humana. Seres criados por intervenção humana”.
Grande Enciclopédia Universal, 1994
Mas o sucesso científico não justificou o impacto que se julgava ser possível impor na sociedade.
A ovelha branca que nasceu por clonagem foi o primeiro sucesso de várias tentativas para o conseguir.
Também aqui houve a utilização de um terceiro animal, hospedeiro, uma “ovelha de aluguer”. Com efeito, a célula adulta da dadora foi introduzida numa outra sem núcleo, resultando um embrião que foi implantado na tal ovelha de aluguer.
Dolly nasceu, geneticamente igual à ovelha dadora e daí nasceram muitas discussões, espoletando o medo dos homens em ser copiados. Um grupo de ativistas tentou mesmo sequestrar a Dolly.
Temia-se o eugenismo (criação de seres humanos perfeitos, através da manipulação genética). E relembraram-se métodos nazis, muitos deles amplamente conhecidos.
Mas tal nunca veio a acontecer.
“Com um ano, análises ao ADN revelaram que a ovelha apresentava sinais de um envelhecimento precoce, o que não seria à partida expectável. Em 2001, a ovelha desenvolveu artrite, um problema que os cientistas consideraram poder ser um feito secundário da clonagem e, em 2003, contraiu uma infeção pulmonar incurável”.
“Jornal de Notícias” de 5 de julho de 2021, 25 anos depois do nascimento da Dolly.
A 14 de fevereiro de 2003, quando tinha seis anos de idade – a mesma que tinha a mãe genética quando lhe foi retirada a célula mamária – a ovelha mais famosa do mundo foi eutanasiada, visto que estava a sofrer.
Ficou no Museu Real da Escócia, em Edimburgo. Ainda agora por lá passam milhares de pessoas para ver a célebre ovelha agora embalsamada.
CONDENAÇÃO E PROIBIÇÃO DE USAR TÉCNICAS EM HUMANOS
O que aconteceu com a clonagem da ovelha Dolly chegou a várias esferas. Na política, por exemplo. Bill Clinton (na altura era o presidente dos Estados Unidos) proibiu a utilização de fundos federais destinados à ciência para estudos da clonagem humana. O Conselho da Europa (agora presidido pelo português António Costa) adotou, em 1997, um protocolo a proibir a técnica em seres humanos. O Vaticano pediu a condenação destas técnicas no homem. Já a Organização Mundial da Saúde e a UNESCO entenderam solicitar que fossem feitos estudos complementares antes de serem tomadas novas decisões a este respeito e a este nível.
Nunca se soube se esses estudos chegaram a ser feitos.