João Sobrinho Teixeira é natural de Mirandela, licenciado em Engenharia Química pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e doutorado na área de Mecânica de Fluidos pela mesma universidade. Foi presidente do Instituto Politécnico de Bragança entre 2006 e 2018, ano em que assumiu o cargo de secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Foi nessa qualidade que deu esta entrevista à VTM, onde, entre outras coisas, fala dos impactos da pandemia no ensino superior
Fala-se que a pandemia trouxe desvantagens, mas também vantagens. No caso do ensino superior, o que mudou?
O que salta logo à vista é a grande capacidade de adaptação das instituições do ensino superior para situações novas, isto porque no prazo de duas semanas conseguiram passar do ensino presencial para o ensino à distância. Mostrou também que o ensino está a mudar, mas é errado pensar-se que é possível ensinar tudo à distância. O ensino superior, e o período em que os alunos lá estão, não é apenas uma relação de aprendizagem de conteúdos, é também uma formação e qualificação para a vida, ou seja, é preciso que haja partilha de opiniões, é preciso que haja convívio entre colegas e que se conheçam novas pessoas, de forma a adquirir um espírito de tolerância relativamente à diferença e isso só se consegue com o ensino presencial. Vamos aproveitar aquilo que aprendemos com a pandemia para perceber como é que podemos usar novos meios para potenciar a relação ensino-aprendizagem e não para substituí-la.
Qual o papel da ciência e da tecnologia na luta contra a pandemia?
A pandemia foi boa no sentido em que o mundo se apercebeu do valor da ciência. Em Portugal ainda não se dá muito valor, pensa-se que a ciência é feita por pessoas estranhas, que estão fechadas em determinadas situações e, agora, percebemos o quanto estamos dependentes dela. Repare que na Idade Média, por causa da peste negra, quase 1/3 da população europeia foi dizimada, entre 1918 e 1920 morreram 50 milhões de pessoas devido à gripe pneumónica e, hoje, estamos com números que nada têm a ver com isso, muito por culpa da evolução da ciência.
E houve, nesta fase, muitos alunos a desistirem do ensino superior?
A maior penalização não foi nas desistências, porque acionámos, de imediato, mecanismos de ação social para responder a esta situação. Percebemos que havia alunos inseridos em agregados familiares que viram os seus rendimentos diminuírem, alargando, por exemplo, o prazo para concorrer a bolsas de estudo. A maior penalização penso que foi a nível psicológico.
Nos últimos anos assistiu-se a um aumento do número de estudantes de Erasmus. Em que medida é que a pandemia afetou este programa?
A nível de Erasmus, que são períodos de estudo na ordem dos quatro meses, houve uma queda abrupta. Passou-se dos 9 mil estudantes portugueses neste regime para cerca de mil. A meta para o próximo quadro comunitário, que vai mais que duplicar o financiamento do programa Erasmus, é triplicar o número de estudantes neste programa e fazer protocolos para que possam ter acesso às melhores universidades e politécnicos da Europa. No caso dos alunos internacionais (extra-Europa), Portugal tem tido uma capacidade de captação incrível. Relativamente a alunos que vêm para um ciclo de estudos, tivemos, há dois anos, um crescimento de 28%. Neste momento, mais de 18% dos nossos alunos são internacionais e, em 2023, queremos que sejam 25%, ou seja, são 75 mil e queremos aumentar esse número.
Isso leva-nos a outra questão pertinente que tem a ver com a falta de alojamento. O que é que está a ser feito nesse sentido?
Há, de facto, falta de alojamento e isso deve-se, por um lado, ao incremento do turismo que fez com que algumas das camas disponíveis para estudantes ficassem ocupadas para fins turísticos. Por outro lado, aumentou a nossa necessidade de conforto e há ainda a questão da especulação, ou seja, os preços começaram a subir sem que houvesse uma razão para isso. Há que intervir com políticas públicas e nós temos um plano de alojamento que perspetivava a criação de 12 mil camas em quatro anos. Até agora já intervimos em quatro mil e vamos aproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para conseguirmos mais 15 mil até 2026. Para isso, vamos ter cerca 370 milhões de euros disponíveis para um programa que está aberto às instituições de ensino superior, mas também a autarquias e privados, que tenham imóveis ou terrenos disponíveis.
Falando agora do acesso ao ensino superior. O que é que os alunos devem ter em mente na hora de escolher o curso a seguir?
Acima de tudo, têm de optar por aquilo que gostam, porque só assim conseguem ser bons profissionais. Não há nada mais errado que basear as nossas escolhas em perceções e naquilo que está a dar. A minha experiência, enquanto ex-dirigente do IPB, diz-me que os nossos jovens fazem a sua escolha em muito pouco tempo. Há cursos das áreas das tecnologias e das ciências agrárias que, sistematicamente, não são escolhidos, mas quando os alunos optam, por exemplo, por ir para um Curso de Especialização Tecnológica (CET) e emergem, durante um ano, no ensino superior, acabam por perceber o que são os cursos e as suas potencialidades e os que normalmente são poucos escolhidos, acabam por ter mais candidatos. Por isso, na dúvida, o melhor será optar por um CET e só depois escolherem a área que querem, realmente, seguir.
E nada impede que tendo um curso não se possa tirar outro.
Sim, isso é uma ideia que herdámos do Estado Novo, de que temos um curso e no fim da minha formação a sociedade tem obrigação de me dar um bom emprego e uma boa remuneração, só porque tenho um curso. Hoje não é assim, o mundo está em constante mudança e aquilo que se aprende hoje não vai ser útil no futuro. Para lhe dar um exemplo, a média de idades no ensino superior em Portugal é de 26 anos, na Dinamarca é de 42. Isto não quer dizer que os dinamarqueses vão tirar cursos mais tarde, mas que voltam periodicamente às instituições para obter mais qualificação. É importante apostarmos na nossa formação e, por isso, no âmbito do PRR, temos duas medidas, no valor de 280 milhões de euros, nomeadamente o Impulso Jovem Steam e o Impulso Adultos, sendo que queremos criar 10 escolas de pós-graduação no país, quatro delas no Interior.
E há mudanças previstas no que diz respeito ao concurso nacional de acesso ao ensino superior?
Há dois anos pusemos uma obrigatoriedade no aumento de vagas nos cursos de excelência, que são aqueles cursos em que nenhum aluno que o está a frequentar tem menos de 17 valores como média de entrada e que têm, normalmente, muita procura. E porque uma das nossas funções é fazer do ensino superior um motor de igualdade social, criámos, no ano passado, um concurso especial para os alunos provenientes do ensino profissional, que neste momento representam mais de 40% do ensino secundário, contudo apenas 18% prossegue estudos e queremos chegar aos 50%. Depois, e já este ano, vamos fazer uma alteração ao concurso para permitir que jovens com necessidades especiais tenham uma abordagem diferente para poderem ingressar no ensino superior e, deste modo, gerar mais igualdade. Por fim, outra intervenção que vamos fazer é ao nível do contingente de emigrantes, permitindo que os lusodescendentes se possam formar em Portugal, quando têm dificuldade em fazê-lo no país onde estão.
Quais são os desafios das universidades do interior para os próximos tempos?
Eu colocaria dois desafios. Um deles é conseguir que mais jovens vão estudar para essas instituições e para isso é necessário gerar atratividade. Temos tido um aumento na qualidade das nossas instituições de ensino superior e no interior há ainda a questão da segurança e de qualidade de vida, que as torna bastante interessantes. Se em Portugal há a ideia de que tudo o que fica longe de Lisboa não pode ser bom, quando se fala com alunos internacionais, isso não é relevante. O que importa é a sua qualidade e o que tem para oferecer. O outro desafio é a ligação que as instituições têm de ter com a sociedade e com o tecido económico.
E como é que vê a possibilidade de a UTAD vir a ter um curso de medicina?
Enquanto transmontano, penso que será uma mais-valia para a região, enquanto político ligado ao ensino superior acho que fará sentido. Para se criar ou não o curso isso depende da qualidade do mesmo e essa avaliação compete à Agência de Avaliação e Acreditação.
Que mensagem quer deixar a quem está no ensino superior e também àqueles que ainda passarão por lá?
Sobretudo uma mensagem para não olharem para o ensino superior só como um meio de terem um curso que lhes dê mais recursos, mais rendimentos e melhor posição na vida, mas olharem como uma forma de adquirir conhecimentos, valores e referências do ponto de vista ideológico. A qualificação é importante para toda a sociedade e vai ser determinante para o futuro.