Quarta-feira, 21 de Maio de 2025
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Adérito Silveira
Adérito Silveira
Maestro do Coral da Cidade de Vila Real. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Estão a morrer as nossas aldeias

Pó-pé-rró-pó-pó - fugiam as galinhas e as frangas esvoaçam espavoridas para não serem apanhadas, porque elas sabiam pelos foguetes que havia festa e que os donos as queriam comer…

Há alguns anos atrás, visitei uma aldeia transmontana, bem perto de Mirandela, aldeia onde em tempos havia vozes e entusiasmo. À chegada vislumbrei-me com uma burra a pastar presa a uma longa corda. Nas hortas, as couves tinham o tamanho de arbustos. Uma camisa branca, dois pares de meias e um pijama da cor do cimento secavam à porta de uma velha casa de granito. Havia roseiras com flores junto aos muros cobertos de musgo. A aldeia parecia um lugar fantasma. Um cão olhava-me submisso, encolhendo o rabo infligido por parasitas. O sino tocava às seis da tarde. Naquele cenário, ouviam-se balidos de ovelhas remansadas, sons que eram ecos vindos de longe e logo abafados pela buzina metálica do padeiro.

Duas velhotas conversavam à varanda, pausadamente, porque o tempo era infinito. O tagarelar das duas, era a única coisa que se ouvia na solidão fria e envolvente.

Casas pequenas entrecortadas por quintais e pequenos pátios emporcalhados de bosta de gado ou caca empastelada de galinhas e cães.

Esta aldeia, é hoje um caso exemplar do país periférico e desertificado. Grande parte das aldeias transmontanas tem um aspeto aterrador de abandono como se as pessoas que nelas viviam fossem dizimadas por pestes pandémicas ou ataque de terroristas. Ninguém nas ruas, nem padre nem sacristão, nem jovens para casar e quando alguém é visto, logo há motivo para conversa porque o silêncio deprime, corrói, mata.

Há, no entanto, flores frescas no cemitério por respeito aos mortos. Aqui, podemos deslumbrar pequenos casarios distantes, pombais escondendo segredos dos vales e serranias.

Caminhos de cabras, pedras sobre pedras, lajes xistosas, rebanho à guarda de um velho pastor, lembranças de litanias adormecidas na lonjura do tempo. A aldeia arrepia num vazio confrangedor. Uma aldeia a viver de memórias de pedras reviradas em que se veem formigas e lagartixas, grilos e cigarras, aranhas ludibriando as sombras em teias de orvalho…de vez em quando há bailados poeirentos, selando as rugas de séculos no flagelo do abandono. A vida já quase morreu em tantas aldeias do interior. Que nos espera nestes lugares parados? Que terra é esta onde os nossos pés têm raízes e nos sugam pelas costas quando a deixamos em mágoas e ranger de dentes?

Será que resistiremos ao torpor do abandono? Aldeias onde noutros tempos havia risos, música e brincadeiras, dramas, teias de vida, bêbados e contrabandistas, cavadores de terras e de esperanças. Aldeias onde havia poetas inspirados na fúria dos ventos serranos, almas entorpecidas pelo desgaste das dificuldades e pela abundância de mulheres parideiras.

As aldeias exultavam de alegria, porque tinham alma e porque tinham esperança no dia de amanhã.

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