Quarta-feira, 19 de Março de 2025
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O cilindro parolo do “progresso”

Vila Real tem mais de 700 anos, mas não parece – e neste caso, não é um elogio. Não temos um centro histórico digno desse nome, tudo por gerações de edis e agentes privados tacanhos não conseguirem ver o novo acrescentar-se ao antigo, apenas o novo substituir o antigo, que classificam de «velho» e «antiquado».

Este é um dos nossos problemas: na ânsia parola por «modernidade» e «progresso», desrespeitamos quem fomos e somos e passamos tudo a cilindro. Teatro High Life, demolido. Teatro Circo, demolido. Convento de S. Francisco, parcialmente demolido. Convento de S. Clara, demolido. Portas da Vila, demolidas. Muralhas da Vila Velha, deixadas em ruínas até aos anos 1940 e depois apagadas do mapa. Pelourinho, desmontado nos anos 1860 «porque atrapalhava o trânsito» (!!!) e roubado – o actual é uma obra tosca da década de 1940, quando o quiseram remontar e viram que as “peças” já não estavam onde as tinham jogado ao abandono.

Dizem-nos que as árvores impediam o «diálogo» entre o antigo Convento de S. Domingos e o Paço dos Marqueses – argumento, na melhor das hipóteses, inepto, na pior, falacioso. Fico feliz por Belém Lima (autor de tal lirismo, como soem os arquitectos nas masturbatórias memórias descritivas) não ter crédito em Lisboa: a Avenida da Liberdade é provavelmente o arruamento de Portugal com mais edifícios com Prémio Valmor de Arquitectura – e não é que as sacanas das árvores não deixam ver as fachadas?! Dessem-lhe ouvidos por lá, venha daí a moto-serra e que comece o «diálogo»!

Não sou contra a renovação, nem mesmo o radicalmente novo, mas uma cidade também se faz de memórias: gosto do urbanismo do Parque das Nações, mas não quereria a Avenida da Liberdade arrasada para pôr em seu lugar um Parque das Nações.

A Carvalho Araújo tinha problemas, nomeadamente a irregularidade do piso dos passeios, mas tal resolve-se regularizando os passeios em harmonia com as árvores, não é cortando tudo raso. Há soluções técnicas e estéticas para isso, basta querer, basta perceber que árvores não são pedras, substituíveis sem mais. Basta contratar verdadeiros urbanistas e arquitectos paisagistas. Belém Lima pode ser muito bom arquitecto de edifícios e interiores, mas, como é frequente mesmo entre os de renome, como urbanista é uma nódoa. É, na melhor das hipóteses, medíocre: quem só consegue trabalhar a partir da folha em branco, do terreno raso, tem claras deficiências técnicas e artísticas e deveria afastar-se do espaço público, pois está fadado a fazer asneira.

“Receitar” o abate das árvores todas porque algumas tornaram o piso irregular corresponderia, em saúde, a ir ao médico por causa de uma unha encravada e algum chulé e, como ”solução” para o problema, ser mandado para o bloco para amputar a perna. Usassem os médicos os mesmos critérios de políticos em busca do corta-fitas e arquitectos ávidos de “deixar a sua marca” e andaríamos todos pernetas, em especial se houvesse espaço nas próteses para afixar uma placa evocativa.

O autor escreve de acordo com a antiga grafia

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