Sábado, 18 de Janeiro de 2025
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João Ferreira
João Ferreira
Investigador, Professor do Ensino Superior

A arte da (di)ssimulação da direita

Vamos partir juntos de uma premissa simples, mas poderosa, que tem colonizado os meus pensamentos nos últimos tempos.

Partamos do princípio de que a execução do poder tem duas formas: a simbólica e a prática. A simbólica é performativa e assenta na ideia de que uma grande maioria anseia por quem, no poder, represente as suas convicções fundamentais e as defenda a cada oportunidade. E se for ardentemente, melhor. Não fizessem essas convicções parte indispensável da nossa conceção do mundo e, até, parte essencial da nossa identidade.

Quem não as partilha, tem algo fundamentalmente errado. Quem as defende tem a nossa solidariedade “quase” incondicional.

O simbolismo, para os poderosos, tem amiúde caraterísticas irresistíveis. Pela sua força de identificação, o seu tribalismo e arreigamento. Funcionam otimamente como metatexto da narrativa maior do momento. Como, por exemplo, a da grande crise criada pelo sempre tão nosso, o agradável Presidente Marcelo, ligada ao orçamento para 2025. Querem falar de impostos? Vamos prender os incendiários! Que é que acham do IRS jovem? Os jornalistas são marionetas incompetentes. A RTP vai deixar de ter publicidade? Vamos lá reduzir essa imigração.

Na pior das suas encarnações, o poder simbólico é antitético ao prático, porque pretende arregimentar lealdades, independentemente das medidas ou ações que pretendam efetivamente tomar. É um poder desassumido e sub-reptício. Pretende dar um rebuçado antes de explicar como é que vai pôr comida na mesa. E, na verdade, quem é que compreende o intrincado elaborar dos orçamentos? Muito pouca gente. E quem pretende dar uma lição aos jornalistas, esses canalhas, deve ter razão na descida do IRS para os jovens até aos 35 anos. Ou não?

O Partido Socialista fará bem em não entrar em pânico e aceitar as táticas extorsionárias. Afinal, quem as tem aplicado nos últimos anos, na sua vertente reacionária, que avance. É o seu eleitorado que está em causa, porque o PSD assim o quis. E quem acreditou que o PS era o parceiro preferido para a negociação talvez estivesse enganado. Os desempenhos nos palcos mediáticos, que agora revelam desdenhar, tendem a demonstrar que a intenção é abocanhar eleitores à direita, não ao centro.

O poder e o seu simbolismo é para ser executado por pessoas com escrúpulos, com fortes bases éticas e sem desonestidade intelectual. Está a faltar isso na direita, em toda a direita. E já se começa a notar.

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