A crescente insatisfação sobre a forma como estavam a ser geridas as coisas do Reino abriu um fosso entre a família real e o povo, não obstante a simpatia que as figuras de Dom Carlos e da Rainha Dona Amélia sempre suscitaram na maior parte dos portugueses. E foi sobre o Rei que se abateu a crispação daqueles que vinham conspirando, adeptos do republicanismo e das ideias saídas da Revolução Francesa. No regicídio, para além de Dom Carlos, morreu também o príncipe herdeiro. Estavam abertas as portas para o novo rumo da História de Portugal. A implantação da República foi declarada dois anos depois desse assassinato, em 5 de outubro de 1910 .
Com a Primeira República de Portugal (1910 / 1926) em clima de grande instabilidade causada acima de tudo pela prevalência de várias fações (republicanas e não só), foi difícil manter consensos e consistência nas medidas que foram tomadas, muitas delas de forma precipitada e, como tal, pouco duradoura. Um dos aspetos em que se notou a ineficácia dos governos republicanos iniciais e a falta de confiança dos cidadãos que demoraram a perceber as linhas determinantes das mudanças que então se operaram foi a da figura do Presidente da República.
O receio de o presidente ser outra forma de rei
De início, não havia eleições por sufrágio universal, como hoje acontece. O presidente era eleito pelos elementos do Senado e do Congresso então existentes no seio da Assembleia Nacional Constituinte. E o primeiro a preencher esse lugar foi Manuel de Arriaga que obteve a maioria em relação a quatro outros candidatos saídos da agitação revolucionária do início do século XX.
Manuel de Arriaga (1840 – Faial / 1917 – Lisboa) presidiu ao Governo desde 1911 a 1915. Deste ano até 1919 (espaço temporal que deveria corresponder a um mandato completo do mesmo presidente reeleito ou de um outro presidente sucessor) houve cinco presidentes da República: Teófilo Braga (1843 – Ponta Delgada / 1924 – Lisboa), Bernardino Machado (1851 – Rio de Janeiro / 1944 – Porto), Sidónio Pais (1872 – Caminha / 1918 – Lisboa), Canto e Castro (1862 – Lisboa / 1934 – Lisboa) e António José de Almeida (1866 – Penacova / 1929 – Lisboa). Manuel Teixeira Gomes (1860 – Portimão / 1941 – França) antecedeu um novo mandato de Bernardino Machado, eleito em 1925. Sidónio Pais que ficaria conhecido como “presidente-rei” pelas simpatias que sempre nutriu pela Monarquia foi o primeiro e único de todos os presidentes da Primeira República a ser eleito pelo povo. A experiência eleitoral não seria continuada porque logo então se registaram acusações de burlas, erros na contabilidade dos votos, batotas várias, omissões, não obstante o candidato vencedor ter sido único. A governação deste não durou mais do que sete meses, já que também foi assassinado por descontentes com o seu autoritarismo e a sua política definida como “Ditadura Nacional”. Numa sucessão de nomes propostos ao cargo, Bernardino Machado tornou-se de novo presidente em dezembro de 1925. Obteve uma percentagem esmagadora de votos (93 %). Era notório o cansaço na dança de cadeiras das forças políticas de então, muito disseminadas por várias fações.
Com a revolução de 28 de maio de 1926, Gomes da Costa (1863 – Lisboa / 1929 – Lisboa) tomou as rédeas do poder até que estivessem criadas as condições para o normal desenvolvimento do processo de escolha do presidente. Com uma passagem breve pela presidência, Mendes Cabeçadas (1883 – Loulé / 1965 – Lisboa) foi o último presidente antes do regime do Estado Novo. Dele sairia outro militar, Óscar Fragoso Carmona (1869 – Lisboa / 1951 – Lisboa), candidato único desse novo regime saído da Revolução de Maio de 1926. Ficaria presidente até aos anos 50, com a poderosa influência de António Oliveira Salazar, o imutável presidente do Conselho de Ministros até às vésperas do surgimento da Democracia, em abril de 1974.
Um presidente que o não foi
Na última eleição, em 1949, a oposição ao regime, cada vez mais notória, fez-se sentir através de Norton de Matos que viria a desistir da sua candidatura. Quintão Meireles, Arlindo Vicente e Humberto Delgado foram apoiados pela Oposição Democrática portuguesa, em eleições posteriores, face a Craveiro Lopes (1894 – Lisboa / 1964 – Lisboa) e a Américo Tomás (1894 – Lisboa / 1987 – Cascais). No caso do “General Sem Medo”, foi às urnas, há quem sustente que venceu essas eleições de 1958, mas o processo eleitoral não foi livre nem isento, sendo fortemente manipulado pelas autoridades do regime e pela polícia política, tornando-se presidente o vice-almirante que manteve o posto até à data da Revolução dos Cravos, em abril de 1974. Temendo que as eleições futuras se pudessem saldar em vitória oposicionista, o governo do Estado Novo passou a eleger o presidente da República através de um Colégio Eleitoral constituído por figuras gradas do Governo e da Assembleia Nacional afetas ao Estado Novo.
Um civil fora da linha militar
Depois de 1974, o Movimento das Forças Armadas providenciou para que o presidente da República continuasse a ser um militar saído do Conselho da Revolução. Foi assim com António de Spínola (1910 – Estremoz / 1996 – Lisboa), Francisco da Costa Gomes (1914 – Chaves / 2001 – Lisboa) e Ramalho Eanes (1935 – Alcains). Mário Soares (1924 – Lisboa / 2017 – Lisboa) tornar-se-ia o primeiro presidente eleito fora da alçada militar. Desde então, os presidentes têm sido civis. Foram dois civis, de resto, os operadores das mais discutidas eleições de sempre, através de um confronto de ideias que se estendeu a todos os eleitores portugueses. O socialista Mário Soares derrotou Freitas do Amaral numa segunda volta em que os dados se inverteram por força da coligação dos partidos de esquerda que dessa forma impediram a eleição do candidato da direita democrata-cristã, fundador do CDS, vencedor na primeira volta a com grande margem. A candidatura socialista manteve-se com Jorge Sampaio (1939 – Lisboa), após o que Aníbal Cavaco Silva (1939 – Boliqueime) dominou a política portuguesa (também como primeiro-ministro) durante cerca de uma vintena de anos. Foi eleito presidente em 2006. Até aos dias de hoje, marcada pela eclosão da pandemia que tem alterado significativamente as relações político-sociais em Portugal e no mundo, a presidência pertence a um homem que, sendo de ideologia da direita democrática, pretende potenciar consensos com as forças políticas de esquerda, privilegiando o contacto permanente nas ruas e nas máquinas fotográficas dos portugueses. Por isso, há quem o defina como populista. Mas se isso fosse fator de desequilíbrio, decerto Marcelo Rebelo de Sousa (1948 – Lisboa) não teria os apoios que tem para o ato eleitoral do dia 24 e que vão da direita clássica à esquerda democrática. Quanto às mulheres, o mais certo será o género ter de esperar mais alguns anos até que uma possa ultrapassar a presença secundária de “Primeira Dama” ao lado do presidente. E, no caso atual, nem isso.
Lucrécia Brito de Melo (Manuel de Arriaga)
Maria do Carmo Xavier (Teófilo Braga)
Alzira Dantas Gonçalves (Bernardino Machado)
Maria dos Prazeres Bessa (Sidónio Pais)
Mariana Torres Aboim (Canto e Castro)
Maria Joana Queiroga (António José de Almeida)
Belmira das Neves (Teixeira Gomes)
Maria das Dores Formosinho (Mendes Cabeçadas)
Henriqueta Mira Godinho (Gomes da Costa)
Maria do Carmo da Silva (Óscar Carmona)
Berta da Costa Arthur (Craveiro Lopes)
Gertrudes Ribeiro da Costa (Américo Tomás)
Maria Helena de Barros (António Spínola)
Maria Estela Varejão (Costa Gomes)
Maria Manuela Portugal (Ramalho Eanes)
Maria de Jesus Barroso (Mário Soares)
Maria José Rita (Jorge Sampaio)
Maria Alves da Silva (Cavaco Silva)
Rosa Maria Cabral (Marcelo Rebelo de Sousa)