A tragédia dos incêndios de 2017, ocorridos em Portugal, foi particularmente devastadora, afirmando-se como um marco na consciência coletiva dos portugueses no que se refere à vulnerabilidade do país a este problema, sobretudo num contexto de mudanças climáticas, onde o combate aos incêndios extremos é humanamente impossível.
Nos últimos anos, várias medidas foram implementadas para melhorar a preparação das populações e a resposta da sociedade e das entidades responsáveis pelo controlo e combate dos incêndios rurais. Destaca-se a criação do novo “Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais”, que, comparativamente ao modelo anterior, incrementa profundas alterações na alocação de competências relacionadas com a gestão dos fogos, ao mesmo tempo em que se estrutura um modelo de governança assente na articulação horizontal e na coordenação das diversas entidades que integram o sistema, delimitando competências e eliminando redundâncias. Soma-se, ainda, uma série de programas e medidas como o “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, o BUPi (Balcão Único do Prédio), mas também o “Programa de Transformação da Paisagem”, que está alinhado com o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território e que conta, na sua execução, com quatro medidas programáticas: Programa de Reordenamento e Gestão da Paisagem, Áreas Integradas de Gestão da Paisagem e Operações Integradas de Gestão da Paisagem, “Condomínios da Aldeia” e “Emparcelar para Ordenar”. Talvez sejam demasiados programas e medidas, desintegradas em termos de coordenação e de execução, a que se somam muitos outros programas aqui não referidos, de várias instituições. Há, pois, que repensar que Portugal talvez necessite de uma macroestrutura, uma “Agência para a Gestão Integrada dos Territórios Rurais” (AGIT), através da qual as políticas de valorização e preservação dos territórios rurais e dos seus ativos sejam articuladas e compatibilizadas com os riscos existentes, como é o caso dos incêndios.
Para tal, a ideia de criar paisagens resilientes ao fogo tem ganho forte aceitação.
Efetivamente, neste conceito reconhece-se a importância de uma abordagem holística que inclui fatores ecológicos, económicos e sociais. Assim, é relevante avançar rapidamente com o mercado de carbono e com o pagamento de serviços dos ecossistemas, a fim de valorizar e preservar o território florestal. Sem rentabilidade económica efetiva para os proprietários, as propriedades rústicas estão condenadas ao abandono ou à monocultura extensiva. É impossível esquecer que a estrutura do mundo rural português sofreu profundas alterações nas últimas décadas (o despovoamento, a cessação da atividade agrícola e silvícola, etc.), o que se reflete de forma muito clara, na organização dos territórios rurais na atualidade e nos desafios que enfrentam.
Além disso, instituiu-se também uma mudança profunda no paradigma do mecanismo de Proteção Civil, no que concerne ao equilíbrio de investimento entre o combate e a prevenção. Recorde-se que o Estado Português investiu diretamente 529 milhões de euros em governança e gestão do risco de incêndio em 2022. O investimento representa um acréscimo de 8% comparativamente ao ano de 2021, sendo que 61% (324 M€) destinou-se à prevenção e 39% (205 M€) à supressão (“combate”), o que contrapõe de forma profunda com a estratégia adotada pelo Estado Português até 2017. Nesse ano, só cerca de 20% do orçamento foi destinado à prevenção. Há, porém, um imenso trabalho ainda a realizar no que também se refere ao planeamento do território, que é, de forma inequívoca, uma ferramenta crucial na redução do risco de incêndio. Ao mesmo tempo, é necessária uma avaliação clara dos resultados dos vários programas já implementados, de forma a aprimorá-los, garantindo que as alterações dos ciclos políticos não afetem, de forma profunda, o imenso trabalho já realizado.
Assim, as comemorações em Pedrógão Grande serviram também para recordar que o caminho para a resiliência dos territórios e das pessoas é contínuo e exige um compromisso constante dos vários setores da sociedade. A consciencialização, a educação e a implementação eficaz das políticas são aspetos cruciais para garantir que estamos mais preparados para enfrentar no futuro incêndios cada vez mais extremos.