Sábado, 25 de Janeiro de 2025
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Diogo Pinto
Diogo Pinto
Geógrafo

Estamos hoje mais preparados para enfrentar os incêndios rurais do que em 2017?

As comemorações do 10 de Junho de 2024, em Pedrógão Grande, proporcionaram uma reflexão sobre o muito que ainda existe para fazer pelos territórios do interior do país.

A tragédia dos incêndios de 2017, ocorridos em Portugal, foi particularmente devastadora, afirmando-se como um marco na consciência coletiva dos portugueses no que se refere à vulnerabilidade do país a este problema, sobretudo num contexto de mudanças climáticas, onde o combate aos incêndios extremos é humanamente impossível.

Nos últimos anos, várias medidas foram implementadas para melhorar a preparação das populações e a resposta da sociedade e das entidades responsáveis pelo controlo e combate dos incêndios rurais. Destaca-se a criação do novo “Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais”, que, comparativamente ao modelo anterior, incrementa profundas alterações na alocação de competências relacionadas com a gestão dos fogos, ao mesmo tempo em que se estrutura um modelo de governança assente na articulação horizontal e na coordenação das diversas entidades que integram o sistema, delimitando competências e eliminando redundâncias. Soma-se, ainda, uma série de programas e medidas como o “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, o BUPi (Balcão Único do Prédio), mas também o “Programa de Transformação da Paisagem”, que está alinhado com o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território e que conta, na sua execução, com quatro medidas programáticas: Programa de Reordenamento e Gestão da Paisagem, Áreas Integradas de Gestão da Paisagem e Operações Integradas de Gestão da Paisagem, “Condomínios da Aldeia” e “Emparcelar para Ordenar”. Talvez sejam demasiados programas e medidas, desintegradas em termos de coordenação e de execução, a que se somam muitos outros programas aqui não referidos, de várias instituições. Há, pois, que repensar que Portugal talvez necessite de uma macroestrutura, uma “Agência para a Gestão Integrada dos Territórios Rurais” (AGIT), através da qual as políticas de valorização e preservação dos territórios rurais e dos seus ativos sejam articuladas e compatibilizadas com os riscos existentes, como é o caso dos incêndios.

Para tal, a ideia de criar paisagens resilientes ao fogo tem ganho forte aceitação.

Efetivamente, neste conceito reconhece-se a importância de uma abordagem holística que inclui fatores ecológicos, económicos e sociais. Assim, é relevante avançar rapidamente com o mercado de carbono e com o pagamento de serviços dos ecossistemas, a fim de valorizar e preservar o território florestal. Sem rentabilidade económica efetiva para os proprietários, as propriedades rústicas estão condenadas ao abandono ou à monocultura extensiva. É impossível esquecer que a estrutura do mundo rural português sofreu profundas alterações nas últimas décadas (o despovoamento, a cessação da atividade agrícola e silvícola, etc.), o que se reflete de forma muito clara, na organização dos territórios rurais na atualidade e nos desafios que enfrentam.

Além disso, instituiu-se também uma mudança profunda no paradigma do mecanismo de Proteção Civil, no que concerne ao equilíbrio de investimento entre o combate e a prevenção. Recorde-se que o Estado Português investiu diretamente 529 milhões de euros em governança e gestão do risco de incêndio em 2022. O investimento representa um acréscimo de 8% comparativamente ao ano de 2021, sendo que 61% (324 M€) destinou-se à prevenção e 39% (205 M€) à supressão (“combate”), o que contrapõe de forma profunda com a estratégia adotada pelo Estado Português até 2017. Nesse ano, só cerca de 20% do orçamento foi destinado à prevenção. Há, porém, um imenso trabalho ainda a realizar no que também se refere ao planeamento do território, que é, de forma inequívoca, uma ferramenta crucial na redução do risco de incêndio. Ao mesmo tempo, é necessária uma avaliação clara dos resultados dos vários programas já implementados, de forma a aprimorá-los, garantindo que as alterações dos ciclos políticos não afetem, de forma profunda, o imenso trabalho já realizado.

Assim, as comemorações em Pedrógão Grande serviram também para recordar que o caminho para a resiliência dos territórios e das pessoas é contínuo e exige um compromisso constante dos vários setores da sociedade. A consciencialização, a educação e a implementação eficaz das políticas são aspetos cruciais para garantir que estamos mais preparados para enfrentar no futuro incêndios cada vez mais extremos.

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