O transporte ferroviário aproximou regiões e foi, durante décadas, a forma mais rápida de deslocação entre o litoral e o Portugal profundo. Com uma rede ferroviária inacabada, mas muito mais densa que a atual, Portugal não apostou no desenvolvimento e na modernização como outros países europeus durante o século XX. Tal levou à perda de competitividade do setor ferroviário que, com o surgimento das primeiras autoestradas, ficou para segundo plano na estratégia pública para a mobilidade e acessibilidade. Recorde-se que Portugal é o único país da Europa (continental) onde a rede de autoestradas é maior do que a rede ferroviária. Obviamente, este facto levaria ao fecho de inúmeras linhas ferroviárias regionais, deixando-se Bragança, Chaves e Macedo de Cavaleiros sem comboio, mas também Viseu, por exemplo, que é a maior cidade europeia sem comboio.
No final da primeira década do século XXI, todos os troços de via estreita, excetuando-se a linha do Vouga, foram encerrados. Soma-se então Vila Real, Mirandela à lista de cidades sem transporte ferroviário, entre muitas outras de Norte a Sul do país. Hoje, parece ser claro que este encerramento foi um profundo erro estratégico, pois, com um investimento claro, estas linhas regionais ainda poderiam servir as populações e, sobretudo, o turismo. Há bons exemplos em Espanha, França e Suíça, por exemplo. Além do mais, o setor ferroviário tem sido privilegiado em termos de financiamento comunitário, mas, em Portugal, depois de décadas de investimento quase exclusivo nas autoestradas, só agora se aposta fortemente na eletrificação e na implementação de renovados sistemas de comunicação e segurança. Porém, estes são investimentos muito tímidos comparativamente com outros países europeus, onde se reabrem linhas regionais encerradas há décadas e se definem políticas concretas de estímulo à utilização dos transportes públicos com aumento da qualidade e frequência das viagens, mas também na aproximação das regiões com a diminuição das distâncias-tempo. Chegados aqui, temos hoje uma rede ferroviária profundamente ‘litoralizada’. Se, por um lado, é aí que se localiza grande parte da população, também é verdade que é dever do Estado promover a coesão territorial, nomeadamente nas áreas de baixa densidade que são a grande maioria do território nacional.
Hoje, estão mais do que identificadas as carências atuais da rede e os investimentos necessários, mas, em pleno século XXI, parece claro a necessidade de promover a segunda grande revolução no transporte ferroviário, que é a prometida e amplamente discutida Alta Velocidade. Engana-se quem ache que não é um investimento necessário e imperativo. Num mundo em plena guerra contra as mudanças climáticas, procuram-se soluções mais eficientes de mobilidade. Aqui, o comboio é, sem dúvida, a melhor opção. Quem estiver mais atento à legislação europeia sabe que o cumprimento das metas de neutralidade carbónica até 2050 (nomeadamente o objetivo 55), com as quais Portugal se comprometeu, atentam de forma clara na sustentabilidade dos transportes, o que poderá vir a implicar, a médio-prazo, o fim dos voos domésticos na Europa. Neste campo, a França já avançou com a interdição de voos domésticos, desde que exista uma alternativa ferroviária e cuja duração da viagem seja inferior a duas horas e meia, mas também a Áustria já introduziu limitação neste campo e até aplicou taxas a voos com menos de 350 quilômetros. O fim dos voos domésticos implicaria, em Portugal, o encerramento da ponte aérea Porto-Lisboa, Lisboa-Faro, ligações regionais e até ligações a Madrid, por exemplo. Acresce ainda as taxas ambientais aplicadas ao transporte pesado de mercadorias, no âmbito da aplicação da Diretiva Europeia ‘Eurovinheta’, numa lógica do poluidor-pagador. Estes dois fatores sustentam a necessidade de investimento na ferrovia para o transporte de passageiros e de mercadorias de uma forma mais sustentável.
Efetivamente, a rede de alta velocidade irá aproximar, em primeiro lugar, Portugal da Europa a que pertence e diluir as distâncias entre as regiões e países. Ser construída na bitola ibérica é essencial para fazer a ligação com a rede convencional numa lógica complementar e integrada. Mas, talvez seja mais fácil analisar os factos: a linha do Norte está, desde os anos 90, em constante modernização. Depois de milhões de euros investidos, parece ser claro o erro cometido de se considerar que, de forma única, esta linha ferroviária destinada a todo o tipo de serviços se apresentaria, no século XXI, como a solução primordial para as necessidades do país. Hoje, completamente congestionada nos seus extremos, é impossível que esta infraestrutura continue a servir Portugal e os portugueses nas próximas décadas, sem ser como complemento a uma linha de Alta Velocidade. De referir também que há troços em que a última modernização ocorreu ainda na época do Estado Novo, ademais a linha do Norte possui imensas restrições de velocidade fruto das características técnicas do seu traçado do século XIX. Veja-se que uma viagem no Alfa Pendular da CP continua a demorar 2h58 minutos, com um comboio que pode atingir 220 km/h a circular a velocidades convencionais em grande parte do percurso. Estamos a falar de uma distância-tempo igual à de 40 anos. A alta velocidade entre o Porto e Lisboa colocará as duas áreas Metropolitanas a uma distância de 1h15 minutos, passando ainda pelas capitais de distrito: Aveiro, Coimbra e Leiria. Estamos perante uma autêntica revolução no panorama de mobilidade nacional. Um estudo encomendado pela IP a uma consultora internacional aponta que as viagens em alta velocidade entre Lisboa e Porto são rentáveis a 25 euros para um serviço que não seja low cost, o que é mais barato que o atual serviço Alfa Pendular.
A médio prazo, prevê-se também a ligação do Porto a Vigo, nesta viagem a distância-tempo diminuirá para 48 minutos entre as duas cidades. A linha passará também por Braga e Valença e terá ligação ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Já a nova linha de Trás-os-Montes, proposta pela Associação Vale d’Ouro, permite colocar o Porto a menos de três horas de comboio de Madrid e Bragança a pouco mais de duas horas de Lisboa. Esta linha prevê-se também muito competitiva para o transporte de mercadorias, ao mesmo tempo que fica garantida a complementaridade com os comboios regionais e de longo curso. Mas olhando para as distâncias-tempo a nível regional, verifica-se uma total disrupção, com a ligação entre a cidade do Porto e Amarante a centrar-se nos 33 minutos, a ligação a Vila Real nos 44 minutos e a Bragança a 1h15 minutos. Em todos os casos, perspetiva-se ganhos de eficiência e de tempo relativamente ao automóvel. A ligação entre o Porto e Madrid ficará nas 2h45 minutos, o que é menor que as 3 horas do avião, considerando, obviamente, o embarque e desembarque de passageiros. No que diz respeito às ligações ao Sul do país, a ligação ferroviária entre Lisboa e Faro demora, atualmente, 3 horas. Prevê-se que com a modernização da linha do sul e a construção da Terceira Travessia do Tejo se possa diminuir este tempo de viagem para 1h40 minutos, sendo que uma ligação em alta velocidade seria de 1h 20m, pelo que não se justifica o avultado investimento para um ganho de apenas de 20 minutos.
É importante ainda referir que a ausência de ligações internacionais ferroviárias é um grave problema em Portugal, a que se soma a inexistência de comboios noturnos. A alta velocidade servirá também para ajudar na ligação de Portugal à Europa, e também para equilibrar e aproximar o país. O mais importante é avançar com este projeto disruptivo para a mobilidade e desenvolvimento do país. Não podemos viver constantemente em indecisão, hoje mais do que nunca precisamos de coragem para abraçar os verdadeiros projetos impulsionadores para Portugal. A alta velocidade, assim como o novo Aeroporto de Lisboa, estão há décadas em discussão na sociedade e na esfera política, com inúmeros estudos a sublinhar a necessidade da sua construção, mas os impactos da sua ausência são incalculáveis.