Havia a árvore de Natal com velas verdadeiras. E havia a festa do Menino Jesus e a Glória do seu nascimento. Mas nesse tempo os pobres não eram esquecidos, porque os ricos e os remediados lembravam-nos vivamente. E eles eram muitos. Havia também trabalhadores pobres que logo no início de dezembro batiam às portas à hora do jantar “desejando a Vossa Excelência e Excelentíssima Família Boas Festas e um Próspero Ano Novo.”
Outros trabalhadores havia que em troca de alguns serviços também estendiam o boné à espera de uma moeda como acontecia com os homens do lixo, os cantoneiros, os jardineiros, os guardas-noturnos, o limpa-chaminés, os homens que lavavam as ruas. Todos procuravam algum subsídio de Natal na dedicação dos serões de dezembro que o contrato não incluía. Mas havia, isso sim, os pobres de pedir. Esses não tinham qualquer direito a tratamento especial. Mas a caridade das pessoas imperava, pois fazia-se comida de sobra para dar aos pobres que a comiam sobre os joelhos, sentados nas escadas: ao mesmo tempo que o faziam olhavam os benfeitores com olhos enternecidos de agradecimento. Na despedida diziam: “O Menino Deus fique nesta casa” …
Curioso que nesses dias antes do Natal, esses mesmos pobres traziam a família para a apresentar a essas pessoas generosas. Também havia quem deixasse já posta a mesa da cozinha, bem preparada de comida para “os seus pobres”.
Sim, havia espírito de Natal. Nos anos 60, o “Zé Pobre”, chega a Mateus duas noites antes da ceia de Natal derreado como nunca. O calçado estava roto e as roupas apresentavam-se aos pedaços sobre os ombros cobrindo apenas partes do corpo. O frio era de rachar, mas o Zé Pobre nessa noite carregava um sorriso rasgado de felicidade. Em vez de pedir, sorria alto, um sorriso misturado com altas gargalhadas e esgares de bonomia. A magreza do corpo obrigava-o a caminhar curvado, fazendo um esforço para olhar as pessoas. Nunca se viu aquele pobre tão feliz como naquela noite. Ele dizia que tinha sonhado com o Menino Jesus durante várias noites e que vivia feliz por isso. Na verdade, toda a expressão do seu rosto denunciava uma paz serena: uma ternura que não ficava indiferente a ninguém. Havia ainda outros pobres, mas a caridade impunha-se porque o espírito de Natal era verdadeiro e perdurava muito para além da quadra natalícia.
Hoje, querem roubar a alma do Natal. A cultura dos tempos modernos, insiste em apagar os símbolos cristãos que têm a ver com a celebração do Natal, ignorando as tradições que fazem parte de um património vastíssimo espiritual e humano. É tempo para despertarmos sentindo a luz do Natal, olhando a “Estrela” como mensageira de paz. É tempo de afastarmos a hipocrisia e o egoísmo do coração dos homens que dilaceram a solidariedade que deve presidir ao espírito do Natal. É tempo de erradicarmos a pobreza e dar atenção aos desprotegidos e indigentes àqueles que nada têm para além do seu próprio nome.
Expressões de alegria e resignação como as do Zé Pobre e da Ana Farronca, que pediam a esmola todas as semanas como regulares assalariados, levam-nos a melhor compreender a mensagem do Menino Deus. Plasmados ficavam os pobres diante do presépio, submersos no fruir de uma paz penetrante, única, inefável…. Naquele propósito até parecia que o Menino Jesus sorria no desejo de falar com eles.