No inverno as casas são geladas, a humidade propaga-se pelas paredes e pelo teto e é preciso ligar vários equipamentos de aquecimento para que o conforto seja mínimo. No verão, por vezes, nem as janelas ou as portas abertas ajudam a dissipar o ar abafado que se sente assim que se entra em casa. A isto chama-se viver numa situação de pobreza energética e muitas são as famílias que se identificam com este cenário.
Uma delas é Liliana Figueiredo, de 34 anos. Mora em Vila Real com as três filhas, Léa, de 10 anos, Yara, de cinco, e Luz, a mais nova, com três anos. Durante o inverno, confessa, dentro de casa, fica bastante frio e os móveis de madeira até “incham” com a humidade. Está a viver ali há três anos e embra que houve um mês que não conseguiu pagar a conta da luz, que ficfou mesmo cortada durante um dia. “E o que é que eu disse às minhas meninas? Olhem, vamos todas jogar ao quarto escuro e depois vamos dormir. Assim, elas não se aperceberam de nada”, conta.
Foi nesse dia que Liliana percebeu que aquela situação não podia voltar a repetir-se. Então, criou uma solução. “No inverno concentramo-nos todas num único espaço. Ficamos aqui na sala juntinhas e aquecemo-nos, por vezes, até sem aquecedor”, explica, mencionando que na altura em que as meninas têm de tomar banho é quando liga sempre o aquecedor.
Liliana lamenta que só passe por esta gestão e preocupação quem “não tem muitas possibilidades financeiras”, acrescentando que “com os rendimentos que tenho, vou gerindo inverno a inverno”. As horas de televisão também têm de ser medidas e as crianças estão ensinadas para se “saírem de uma divisão, apagarem logo a luz”.
É um pensamento constante e, a nível pessoal, Liliana admite que vive “mais stressada e ansiosa” assim que se aproxima um inverno. “É tentar não criar mais despesas do que aquelas que já tenho, viver um dia de cada vez e isso é complicado. Na cabecinha são contas e só contas”, diz. Isto porque para ter o conforto mínimo no inverno, “tenho de pôr outras coisas de lado e sinto que, por vezes, posso vir a falhar por tanto querer conciliar tudo”, desabafa.
A eficiência energética é realmente mínima: os azulejos da cozinha ficam “ressoados”, por não haver forma de evaporar o fumo, principalmente quando se cozinha. “É horrível, é horrível mesmo. A casa fica toda a escorrer água. Há muita humidade”, lamenta. Isto afeta também a saúde de todas. “As meninas acabam por ter as defesas mais fracas”, afirma, acrescentando que “uma pessoa com mais qualidade de vida e estabilidade financeira, não corre tantos riscos como nós, que corremos muitos”.
No verão é altura de respirar um pouco de alívio e é quando surge a oportunidade “de limpar os prejuízos que o inverno deixou”, não esquecendo, no entanto, de ter cuidado com a energia. “Por exemplo, só ligo a ventoinha quando estamos as três no mesmo compartimento”, conta, referindo que “o único sítio que se está bem no verão, é no quarto das crianças”.
Quanto à possibilidade de apostar em energias renováveis, Liliana admite que isso “é pedir demais às pessoas” e que é “impossível passar de um estado em que se vai vivendo do dia a dia, tentando planear as coisas, para investir em algo que é incerto”, desde logo em Portugal, “em que a vida é diferente e mais difícil” que no estrangeiro.
“MUITO FRIO”
Da mesma forma, Marlene Mour confessa também que “não dá para pensar nas energias renováveis”. “É que nem me passa isso pela cabeça. O que me passa é poupar na luz e preocupar-me com a conta que vai chegar todos os meses”. A mulher, de 30 anos, está numa situação semelhante à de Liliana Figueiredo. Mora em Escariz com o namorado e a filha, de quatro anos. Neste momento, estão a fazer obras no telhado de casa porque quando chovia a água infiltrava-se e acabou por ficar acumulada no teto.
No inverno, a mulher diz que se passa “muito frio”, que só pode ser colmatado com aquecedores ou com a lareira, que agora usa mais para “poupar na conta da luz”, que já chegou a ascender às centenas de euros. “Eu penso duas vezes antes de ligar os aquecedores”, conta Marlene, acrescentando que a prioridade é sempre o quarto da filha, em detrimento de outras divisões ou dela mesma e do companheiro.
Marlene tem direito à tarifa social de energia, mas mesmo assim, as condições que tem não lhe dão qualquer qualidade de vida. Está sempre atenta às empresas mais baratas e já trocou três vezes para tentar estabilizar os gastos abaixo dos 30 euros mensais. “Eu tenho de estar sempre a pensar que não posso gastar muito, porque depois posso não conseguir pagar”, menciona, confessando que acontece muitas vezes precisar de saldar a conta em duas ou três prestações.
Quando está sozinha em casa não liga nenhum equipamento, sejam aquecedores no inverno, sejam ventoinhas no verão, sendo que quando a filha chega da escola, ao final do dia, não pensa duas vezes. Mas o pensamento de que não se pode “exceder em muito”, está sempre presente, porque “se não, as outras contas também ficam por pagar”, como já aconteceu com a água, em dois ou três meses.
Numa casa com tanta pobreza energética, e com tanta humidade, Marlene confessa que à filha, Francisca, que já tem alguns problemas respiratórios, “não lhe faz nada bem” e que “lhe ataca mais as defesas”. Se pudesse mudava de casa, mas os preços das rendas atuais tornam esse pensamento impossível.
Esta é uma situação que não se fica pelas consequências imediatas. Pelo contrário, afeta-a a todos os níveis. Em julho, Marlene já está a sentir-se ansiosa e stressada para o inverno que deve chegar dentro de alguns meses, porque sabe “que vai ser muito complicado”. “É triste”, lamenta. Quando chegar o frio sabe que o processo é o mesmo: poupar e evitar “luxos”, como ter um ou dois aquecedores ligados, para pagar o mínimo possível e não ter de escolher pagar uma conta em detrimento de outra.