Prevalece uma exagerada visão utilitária e hedonista da vida. Sem o dizermos abertamente, instituímos a ideia de que só faz sentido viver enquanto estamos soltos, ágeis, saudáveis, frescos, com alguma beleza, disponíveis para a diversão e o prazer. Se este ideal já não se pode atingir, ou pelo menos atingir os seus mínimos, então é preferível não viver. Mas a vida humana é feita de várias idades, que temos de saber aceitar. Não perdemos a dignidade humana, nem deixamos de ser pessoas em toda a sua plenitude, quando somos velhos e estamos gravemente doentes ou muito limitados.
Por outro lado, a eutanásia também é um claro sintoma da obsessão contemporânea em controlar tudo, e até já queremos controlar a nossa morte. Queremos ser pilotos de uma nave que tem botões para tudo na vida, queremos controlar tudo e dominar tudo o que acontece ou possa acontecer na nossa vida. Não queremos esperar a morte natural. Eis um dos mantras da cultura atual: Eu é que sei o que quero e quando quero, e quero ser senhor de mim e de tudo o que me acontece. Manifestações desta obsessão pelo controle são também o atual fundamentalismo alimentar, pensando que pela alimentação vamos controlar as doenças (e, de facto, é bom saber comer e comer bem, mas não vai controlar ou impedir o aparecimento de doenças), ou a inquietação paranoica e pânico que gera o imprevisível e que sai do nosso controle, como foi a pandemia, assim como é o anúncio de mau tempo, se é que há mau tempo. Alguns estudiosos afirmam que esta obsessão está a tirar-nos naturalidade, serenidade, qualidade de vida e pode até estar a contribuir para alguma desumanização.
Temos de nos perguntar com a possível aprovação da eutanásia é se não estamos todos a desistir mais uns dos outros, e até de nós mesmos. Estamos a desistir de enfrentar a nossa fragilidade e a nossa caducidade, que faz parte da vida, e não queremos ter tempo para acompanhar a fragilidade dos outros. Escolhemos o caminho mais fácil: deixar morrer. O que é apregoado como um progresso civilizacional pode, em parte, muito bem ser um retrocesso civilizacional, porque estamos a enfraquecer a capacidade que adquirimos de cuidar e acompanhar a doença e a debilidade humanas. Poderemos estar a baixar o nível da nossa humanidade.