Manuel dos Santos, já com dificuldades em caminhar, não quis ser dispensado desse mau bocado de caminho.
A bengala, no braço contrário do instrumento dava-lhe coragem e força anímica. A tortura da fragilidade das pernas afligiam-no mas o pensamento em Frei Vicente moralizava-o.
Quem conviveu com ele, ficou tocado pela sua simpatia, simplicidade e coração grande de bondade. Um coração que facilmente se emocionava. Falar-lhe no Frei Vicente, ou na sua banda correspondia à saída fácil da lágrima. O seu olhar inspirava verve e eloquência. Manuel dos Santos gostava da vida e das pessoas. A família era o expoente de um amor sem limites. Nas festas, Manuel dos Santos tinha sempre uma história para contar aos mais novos e a saudade dos tempos idos avivava-lhe a memória: “No tempo do sargento Ilídio, é que era!… Ninguém brincava em serviço, era um mestre de respeito e nos ensaios tremia-se com medo de alguma repreensão ou mesmo de um olhar acusatório…” enquanto o dizia as mãos bailavam de emoção e o olhar divagava-se na penumbra do tempo…
Facilmente se deixava arrastar para histórias sobre a banda, entrelaçando-se nelas como se as estivesse a viver no momento. Os músicos mais novos achavam-no uma espécie de pai ou tutor, um conselheiro, um amigo. Quando tocava a sua trompa, fazia-o como se aquilo fosse o seu maior tesouro, o seu guia espiritual. O seu esforço enquanto coxeava nas arruadas, era compensado pelos favores que dizia receber do fundador da coletividade que o amparava a cada momento e lhe dava uma permanente alegria de viver.
Nostálgico e sonhador lembrava: “Em tempos eu tocava trompete, e não sendo um grande músico, com esforço conseguia desempenhar o meu papel…ainda rapaz, as meninas olhavam muito para mim, não pela delicadeza do meu bigode, mas porque elas gostavam do instrumento que eu tocava…”. Assim desabafava Manuel dos Santos – conhecido carinhosamente por Sapec -, enquanto cambaleante a bengala o amparava evitando qualquer tipo de compaixão.
Em serviços extenuantes, havia músicos que pelo cansaço, facilmente usavam palavras agressivas, inadequadas para pessoas que pertenciam a uma coletividade com um passado recheado de histórias com sucessos. E quando músicos discutiam em cima do coreto, aquele espaço tornava-se uma espécie de nave de loucos desorientados. Neste cenário, Manuel dos Santos sofria a bom sofrer e com a sua habitual bonomia e palavras certeiras de apaziguamento, a harmonia voltava e com ela a felicidade do nosso músico.
Há inúmeras fotografias em que este grande senhor que passou pela Banda de Mateus, revelam a sua postura, a sua atitude, o seu profissionalismo e o seu olhar de um homem elegante de personalidade e alegria por estar entre os demais da coletividade. Há um testemunho de imagem em Parada do Pinhão em 1975 – era eu o mestre – em frente ao coreto, Manuel dos Santos, está feliz, vaidoso, apenas porque se sente reconfortado no meio dos músicos mais novos e das primeiras meninas que entraram para a banda. Não admira a sua postura e o seu olhar irradiado de esperança num futuro promissor.
Numa arruada em Chacim, já numa fase adiantada da sua vida, Manuel dos Santos, caminhava muito a custo com a banda, cambaleante, de tal forma que um cão sentindo-se ameaçado rosnou-lhe junto das pernas. O músico, não querendo interromper o seu toque, esperou por um momento adequado para que com a ameaça da sua bengala o animal fugisse. Apercebendo-se do que estava a acontecer o Albino do bombo e o Barrias nos pratos tocaram mais forte nesse preciso momento… com estas três ameaças o cão ganiu, fugindo aos ziguezagues.
Manuel dos Santos, um nome que será perpetuado por todos aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer. A saudade é luz que fica quando o Sol se esconde…