Terça-feira, 3 de Dezembro de 2024
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Ernesto Areias
Ernesto Areias
Advogado. Colunista de A Voz de Trás-os-Montes

Maradona e a morte de deus

Na semana passada, recebemos a notícia da morte inesperada de Diego Maradona.

Para muitos foi anunciada a morte de deus, o desaparecimento de um deus menor; de um deus polémico, quezilento, que fascinava pela irreverência, pela imprevisibilidade, não raro, pelo desacerto e o carisma, pelo génio inquestionável dentro do campo, que enchia, pelo ego inflamado de quem viveu nos limites.

Apenas dentro das quatro linhas era omnipresente, por isso era um deus menor.

Este deus granjeou a admiração dos amantes do futebol, ante a indiferença daqueles para quem este desporto não passa de um detalhe da arte circense.

Assistimos ao frenesi, às lágrimas, às juras de devoção e eterna saudade, à emoção confrangedora e angustiada do empobrecido povo argentino golpeado por várias ditaduras.

Não se percebe como a emoção e o luto, que deveriam ser respeitosos, resvalaram para o confronto e a violência que me parecem a antonomásia do descontentamento e do protesto social não assumidos.

 Em volta deste deus, o povo embriagou-se, brandiu as alabardas da tribo, na vontade de perpetuar os feitos, os golos, as fintas, as correrias com a bola como se o fizesse em direção ao infinito de sonhos triviais, a arte, as memórias que se esfumam na primeira esquina do tempo que passa.

Maradona veio demonstrar a importância dos mitos, do simbolismo das vitórias de Pirro, do aconchego tribal do triunfo que mitiga o vazio dos que pouco têm, do triunfo que agrega, que une, que integra e gera identidade à volta de coisa nenhuma.

Tal como na mitologia grega, estes deuses menores não são omnipotentes e estão  sujeitos às leis do destino, que o próprio traçou vivendo nos limites dos que teimam em desafiar o mundo.

A civilização greco-romana criou numerosos deuses com virtudes e defeitos. Dionísio era o deus da ebriedade, do vinho, das festas e de todos os excessos incluindo os de natureza sexual e alimentar. Tinha como correspondente romano o deus Baco que esculpiu na pedra lexical e nos costumes as bacanais, festas orgíacas sujeitas a todas loucuras.

Cronos era o deus grego do tempo tendo como correspondente romano o deus Saturno.

Para cada virtude ou defeito, as civilizações antigas criaram deuses com atributos  mitológicos que explicavam a realidade.

Também a Igreja foi criando deuses menores com atributos e funções muito específicas capazes de dar rumo aos dramas humanos. É o que sucede com a tutela taumatúrgica de um número inimaginável de santos que constituem no seu todo cardápio hagiográfico abundante.

Do mesmo modo, a sociedade moderna criou mitos, deuses menores que não são mais  do que homens com atributos especiais.

Maradona, não deixará de integrar para os argentinos e os amantes do futebol, a extensa plêiade  de deuses menores com lugar no Olimpo e assento no concílio dos deuses.

Era disto que falava Nietzsche, quando profetizou a morte de Deus que mais não era do que a morte de narrar a divindade. 

São tantos os deuses que a imaginação humana criou, com a vontade de sentá-los ao  combro da lareira em noites desaconchegadas, que o verdadeiro Deus parece ter estremecido no trono celestial.

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