Segunda-feira, 13 de Janeiro de 2025
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Ernesto Areias
Ernesto Areias
Advogado. Colunista de A Voz de Trás-os-Montes

Maio pardo

Passaram 60 anos, o mundo transformou-se, exceto, para o comum dos emigrantes que são hoje recebidos em condições piores do que naquela altura.

Das notícias mais lidas da semana foi a pandemia em Odemira e os dramas da emigração.
Ocorre-me traçar um paralelo com a emigração portuguesa que, há 60 anos, iniciou a sua aventura em França depois do salto.

Partiram, quando era difícil ficar por mais tempo, acorrentados pela pobreza e humilhação, quando a miséria e as condições de habitação e degradação social o impunham.
Custava na altura a viagem 8 contos, quantia equivalente hoje, a cerca de 8 000 euros, quando a jorna rural era de 10 escudos. Seriam necessários 800 dias de trabalho para pagar a viagem.

Como sabemos, os emigrantes dependiam de passadores que gratificavam as autoridades de ambos os lados da fronteira, para que as viagens decorressem sem que fossem parar de roldão às cadeias da repressão franquista.

Esperava-os o trabalho na agricultura, nas limpezas, nas obras e na industria e, para viver, as barracas dos numerosos bairros que enxameavam as cidades.

Sinto profundo orgulho pela coragem da nossa gente, pela capacidade de adaptação, que enfrentou grandes adversidades, que trabalhou, por vezes os sete dias da semana de modo a construir casa em Portugal e, muitos deles, poderem pagar os estudos dos filhos; de modo a comprarem carro, propriedades, apartamentos e casa em França que os recebeu bem, que os inscreveu na Segurança Social, os protegeu na doença, proporcionou escola aos filhos e, de um modo geral, reformas condignas.

Passaram 60 anos, o mundo transformou-se, exceto, para o comum dos emigrantes que são hoje recebidos em condições piores do que naquela altura.
Pergunto, quantos são hoje os emigrantes a trabalhar nos campos do Alentejo, do sul de Espanha, de França e da Holanda… que estão inscritos na Segurança Social? Quantos estão protegidos por seguros de trabalho? Quantos conseguiram independência financeira, fizeram casa na sua terra ou em Portugal, trouxeram a família e vivem em casa própria ou arrendada?

Os passadores antigos deixavam-nos à sua sorte mas sem percentagem no seu trabalho futuro; os traficantes modernos continuam a explorá-los não sendo raro retirarem-lhes os documentos reduzindo-as a situações de escravatura.

Nos anos 60, o estado social estava em construção, hoje talvez a desfazer-se em pedaços deixando de proteger largas camadas da população; naquela altura era o capital produtivo e industrial a prevalecer, hoje é o capital financeiro a explorar os cidadãos, as instituições em geral e os próprios Estados.

A onda de degradação a que assistimos, parece ter passado ao lado do 1º de Maio que decorreu há poucos dias.

Dizia-se na região: Maio pardo, S. João claro, forma de anunciar o verão; o verão dos direitos dos mais desfavorecidos parece tardar persistindo o Maio pardo, sem sinais de esperança.

Os liberais minam a sociedade e a economia e fazem o seu caminho, indiferentes ao mundo focados no dinheiro que há-de subverter todos os valores; e o homem, metonímia da nova escravatura, passou a ser a medida de coisa nenhuma.

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