Em 2020, Portugal comemorou dois séculos de constitucionalismo, desde a eclosão da revolução liberal de 1820, que está na origem da Constituição de 1822.
Vários intelectuais, dos quais destacamos Fernandes Tomás e Ferreira Borges, criaram em 1918 o Sinédrio, organização secreta preparatória da revolução que viria a seguir-se como forma de reação contra o inglês Beresford.
Em 1826 a Constituição veio a dar lugar à Carta Constitucional por causa do poder moderador do rei, querela que perdurou durante século XIX, além das disputas com os miguelistas que defendiam uma linha tradicionalista em oposição à liberal.
Em 1910, com a República, surgiu a CRP de 1911 e, mais tarde, a de 1933 que institui o Estado Novo após o golpe de 28 de maio de 1926.
Em abril de 1974, o regime caiu e, na sequência da assembleia constituinte de 1975, nasceu a CRP de 1976, várias vezes revista, sem perder de vista as bases do regime democrático.
Com todas as divergências que possa haver em torno da CRP, quedas de governo, eleições antecipadas, crises económicas e sociais, a verdade é que cumpriu, em abril deste ano 45 anos de vigência, período quase o triplo da CRP de 1911 e mais longo do que a de 1933.
Felizmente, continua entre nós Jorge Miranda, considerado o pai da CRP, a que soube dar coerência jurídica, sistematizar e fazer a síntese de numerosos contributos vindos de uma Constituinte que consubstanciou a sua ação numa das mais relevantes experiências democráticas do regime.
Destaco o que em Direito Constitucional é designado por limites materiais da revisão constitucional que impedem a descaracterização da lei fundamental e ainda o trabalho meritório que o Tribunal Constitucional tem levado a cabo em sua defesa corrigindo abusos e não deixando sair dos trilhos os órgãos de soberania, em defesa dos direitos dos cidadãos.
Destaco ainda a consagração das tarefas fundamentais do Estado (art. 9,º) e os princípios da universalidade e da igualdade (artigos 12.º e 13.º).
Na alínea ‘g’ do artigo 9.º ficou consignado:
“É tarefa do Estado promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional”.
Creio ser esta a violação mais grave de todos os governos à CRP, ao agravarem as assimetrias regionais e o abandono de cerca de dois terços do todo nacional.
Outro aspeto que tem falhado, sempre em benefício do litoral, é a não concretização da regionalização negando às populações o direito de promoverem o desenvolvimento dos seus territórios.
A Nacional 2, que traçava a linha da coesão territorial, converteu-se na linha que marca a desigualdade entre as regiões do interior e do litoral, como se houvesse dois países.
Creio que valeria a pena alguém suscitar a inconstitucionalidade dos OGE sempre, que de forma despudorada, continuam a violar este dever de promoção do desenvolvimento harmonioso do país.
Apesar de Portugal ter melhorado, os desafios são grandes. Salários, apoios sociais e reformas, ensino, território e divida externa.
Infelizmente os cidadãos do interior são tratados como de terceira classe, tratamento indigno e violador das tarefas fundamentais do Estado que não debelou o centralismo.