Em hora feliz a UNESCO instituiu, em 1995, o Dia Mundial do Livro, a 23 de abril.
A data não poderia ter sido mais bem escolhida por coincidir com o falecimento de Miguel Cervantes e William Shakespeare, em 1616, e do nascimento de Vladimir Nabokov, em 1899.
Curiosamente, dois dos mais famosos escritores da literatura universal faleceram com menos de 24 horas de diferença, autores de D. Quixote, o primeiro, e de Romeu e Julieta, o segundo, obras de referência na literatura moderna. Entre nós, destacamos Sá de Miranda e Camões, mais tarde Garret, Herculano e Camilo e mais próximos, Pessoa e Saramago. Como gente da nossa tribo ancestral não poderemos esquecer Torga, Junqueiro, Aquilino, Trindade Coelho e Teixeira de Pascoaes e também Rosalia de Castro, Camilo José Cela e outros galegos que partilham a mesma língua. Destinou a UNESCO este dia para refletirmos sobre os livros, as bibliotecas e ainda sobre os direitos de autor, atualmente tão vilipendiados pela mixórdia ignorante que se instalou em alguns setores das redes sociais.
Os livros fazem-nos sentir grandes e pequenos, informam, formam e convocam o nosso sentido de análise crítica. Os livros animam o tempo, dão vida à nossa esperança e iluminam o entendimento sobre o mundo, são repositórios de sabedoria e reflexão, roteiros de viagens e de aventuras, contraíram o nosso sedentarismo quando os lemos e promovem o nomadismo da imaginação. Quem não se lembra dos livros, novos em folha, que recebíamos no início do ano escolar fosse na escola primária, mais tarde no liceu ou na universidade? Os livros com cheiro a tinta da impressão recente eram como os degraus de uma escada que nos guiava até ao infinito.
Hoje, o confronto é com a sua desmaterialização que impede de os aconchegar como relíquia, de sentir o cheiro, a textura, a novidade da capa, da impressão, das imagens.
Os livros são oceanos de paz, pontes de aproximação entre os povos, alfobre onde se aconchega a História do mundo e do pensamento. No dizer de Emilio Lledo, filósofo espanhol contemporâneo, o livro é, sobretudo, um recipiente onde o tempo repousa, uma prodigiosa armadilha com a qual a inteligência e a sensibilidade humanas venceram essa condição efémera, fluente que levara à experiência do viver para o nada do esquecimento.
Do universo infindável dos livros destaco duas obras recentes, que versam sobre este objeto intemporal que anima os nossos dias ajudando a que se faça luz sobre a condição humana: “O infinito num junco” de Irene Vallejo, que nos guia pela História dos livros:, livros de fumo, de pedra, de argila, de seda, de pele, de árvore e agora de plástico e luz como bem refere a autora. Livros que repousam na memória dos tempos, nas batalhas, nas cinzas da biblioteca de Alexandria e dos postergados pelos tiranos.
Outro livro que me tocou, “Uma história da leitura”, de Alberto Manguel, que vai deixar em Portugal a sua extensa biblioteca.
No dizer de Francisco de Quevedo, a relação entre o leitor e um livro é uma espécie de conversa com os mortos. Na verdade, é o leitor quem dá vida aos sonhos e pensamentos aparentemente inumados nos livros, sentado na namoradeira de uma improvável mansarda com gelosia de pedaços de madeira entrelaçada.
Quando nasce uma criança coloquemos um livro junto do berço, farol de entendimento e de luz.