Apelidada pelos mirandelenses como a noite mais longa do ano, ocorre durante as Festas em Honra de Nossa Senhora do Amparo, as festas da cidade.
Na madrugada de sexta-feira para sábado, milhares de tocadores de bombo, mais ou menos profissionais, percorrem as ruas, até altas horas.
Em ano de celebração de seis décadas do início desta tradição, surgem novas ideias para o futuro: “Acho que podemos pegar nesta marca, que tem um potencial enormíssimo, e internacionalizá-la”, disse à Lusa Carlos Lopes, 58 anos, ligado à Associação de Bombos de Mirandela, a ABOMIR, herdeira do legado.
“Temos as marchas populares em Lisboa. Podemos criar algo com os bombos. Temos exemplos noutros países, como em Espanha e do outro lado do Atlântico, onde existem eventos desta forma e é uma maneira de culturas de misturarem”, disse.
Segundo Carlos Lopes, “está a surgir algum potencial turístico que pode ser aproveitado”.
“Podemos chegar mais longe, com baixos custos, através das redes sociais, e divulgar o nome da cidade. A nível turístico, seria muito bom. Mas para isso têm que ser criados alguns eventos, não resumir só à noite dos mirandelenses”, considerou ainda Carlos Lopes, que considera que “para isso é preciso gente nova e dinâmica e colocá-la a desenvolver esta ideia”.
Rui Barreira, um dos membros fundadores desta tradição, não tem dúvidas de que os jovens vão perpetuar a Noite dos Bombos.
“Esta noite nunca mais tem fim. A juventude vai tomar conta disto. Estamos a dar o exemplo este ano, já entrou mais um elemento ou dois. Gente com capacidade”, afirmou à Lusa.
A história começou em 1963, ainda durante o Estado Novo, com uma brincadeira de amigos. Nas Festas de Nossa Senhora do Amparo, de sexta-feira para sábado, pelas duas da madrugada, uma dúzia de amigos tentou pedir bombos emprestados ao grupo de tocadores do Minho que já tinha chegado à cidade para animar as festividades mas só o faria a partir das seis horas da manhã. Disseram que não.
“Estava ali uma motorizada. Pedi-a emprestada para ir a casa, para buscar uma garrafa de uísque e mais um copo ou dois. No quarto copo, os bombos já eram nossos”, conta Rui Barreira, 79 anos, um dos timoneiros que empunhou um dos 12 bombos nessa noite de agosto de há 60 anos.
Quantos elementos do grupo sabiam tocar bombo? “Nenhum”, admitiu Rui Barreira.
Os transeuntes foram-se chegando, até que os bombos foram barrados por um cordão da polícia, por causa do barulho fora das horas permitidas.
Entre as pessoas que se juntaram, estava um delegado do Ministério Público, de visita à cidade, na altura vila, a convite de um amigo mirandelense. “Ele viu qual era o polícia mais graduado, identificou-se, e disse: ‘vão à vossa vidinha que eu assumo a responsabilidade por tudo isto’. Em boa hora esse homem apareceu, porque nunca mais tivemos problemas”, recordou Rui Barreira
No ano seguinte, os tocadores ganharam uma vestimenta própria: “Esse conjunto que nos emprestou os bombos, no dia a seguir, quando saiu, nós vimos que vinham com uma bata branca. Também tínhamos de ter. E não havia em lado nenhum. Combinei com um amigo meu que trabalhava no hospital: ‘À meia-noite, tocas à campainha, vais à secção dos médicos e levas tudo’”, contou Rui Barreira. Até hoje, permanecem as batas brancas, apesar de já não virem do hospital da cidade.
Desde o início que o ‘maestro’ dos tocadores é Mário Esteves, 87 anos. “Fui músico e mestre da banda da Banda de Mirandela. Tinha uma ideia do que era a música”, contou. “O que mais gosto é de ver as crianças a tocar bombo. O entusiasmo!”, acrescentou.
A Noite dos Bombos foi crescendo, de ano para ano, e em 2021 foi inaugurada uma estátua alusiva à festa, no local de onde saíram os 12 amigos em 1963, depois de um breve ensaio. No assinalar dos 60 anos, o número de tocadores é incerto. “Há muita gente que vem de fora, com os bombos já, para se juntar a nós”. Penso que devem andar à volta dos 3000, 3500 mil”, antecipou Mário Esteves.
O percurso dos bombos desta noite está definido: “Saímos do Santuário de Nossa Senhora do Amparo, passamos a Ponte Velha (ponte românica), sem tocar, damos a volta à cidade e terminamos na Estátua dos Bombos. E é ali que termina a nossa atuação. Até parece que somos os maiores!”, riu-se Mário Esteves.
A hora da saída é à 01:00, segundo o cartaz das festas da cidade. “Eles aí estão” é frase de apresentação desta tradição.