Tratou-se de uma epidemia de gripe cujas vitimas eram, com frequência, jovens adultos longe ainda dos antibióticos e antivirais e de estruturas hospitalares eficientes.
Estima-se que a pandemia tenha ceifado 40 milhões de vidas logo a seguir à I Grande Guerra que matou milhões de jovens sem falar na população, vítima de bombardeamentos, guerra química, invasões e fome.
Foram evidentes, os efeitos na economia, as consequências politicas, sociais e demográficas sobretudo se as associarmos à destruição causada pela guerra.
No decurso da guerra ocorreu a revolução russa, entre nós as aparições de Fátima, tendo sido neste ambiente corrosivo que, com imponderação, foi assinado, a 28-06-1919, o tratado de paz de Versalhes que estará na origem da II Grande Guerra e do nazi-fascismo.
Logo a seguir vieram os Année folles, a luta pela libertação da mulher com as sufragistas, o charteston na dança e as mulheres a fumarem em público, além das roupas elegantes; nos países mais ricos, a braços com as consequências económicas da guerra, vieram as viagens em cruzeiros de luxo, o recurso ao crédito, hábitos que vinham da belle époque.
De seguida, o sonho insustentável dos Année folles, os loucos anos 20, desfez-se numa manhã cinzenta de outubro de 1929 com o crash da bolsa de Nova Iorque.
Em Portugal, a República atolava-se nas suas contradições: pobreza, economia com grave crise nunca debelada desde os investimentos do Fontismo, da banca rota de 1892 e da queda da monarquia. No pólo oposto, o sidonismo que agonizou com a morte de Sidónio Pais, assassinado a tiros na estação do Rossio em dezembro de 1918, e o integralismo lusitano. Do outro lado de uma sociedade polarizada, os velhos republicanos brandiam as armas da industrialização incipiente, do anticlericalismo jacobino e da modernidade a par de movimentos artísticos e intelectuais.
Lembro-me de ouvir os mais velhos, na aldeia, referirem que estava a decorrer o funeral de uma vítima e, em simultâneo, a tocarem os sinos que anunciavam, na pacatez das comunidades, mais um óbito.
E quantos, nestes ajuntamentos anódinos, contrairiam o vírus, talvez por falta de informação e porque viviam amontoadas nos pardieiros da ruralidade.
Os mais pobres eram transportados para o cemitério num esquife, uma espécie de padiola de madeira, caixão coletivo que disfarçava a pobreza de então. Ainda hoje, na pitoresca aldeia de Bustelo, na meia encosta das imediações de Chaves, existe a rua do Esquife, junto da igreja. Talvez tenha sido a única terra que preservou o nome do objeto que a melhoria das condições de vida inumou.
A pneumónica sim, foi uma pandemia a doer, a de hoje é uma pandemia em confronto com a ciência sem que isto represente perda de respeito pelos que sofrem às mãos da sua impiedade que podemos ser quase todos. Apesar de tudo, o esquife, que deveria ter hoje o tamanho da arca de Noé, continua a fazer falta para levar a enterrar a pobreza, as violações dos direitos humanos e as desigualdades do mundo.