Assumiu a liderança em 2022, depois do anterior presidente ter renunciado ao cargo, pelos motivos que são conhecidos. Como é que tem sido esta experiência?
Tem sido uma experiência exigente, mas também muito rica, muito profunda, de uma entrega e exigência total, porque estar à frente da gestão de um concelho é um exercício que não se compadece com falhas. Não é que sejamos perfeitos, mas aquilo que se procura é sermos (muito) exigentes, para que depois a nossa atuação seja aquela que é melhor em prol dos nossos munícipes. Tem sido uma experiência muito positiva, muito enriquecedora, muito exigente, mas com satisfação pelo trabalho bem feito. E há sempre o desafio de fazer mais e melhor, porque é uma tarefa que não acaba. Acaba-se um projeto, já temos não sei quantos em marcha e iniciam-se outros tantos. Digamos que a atenção tem de estar sempre em alta, assim como a vontade de fazer, de estar, de ouvir e de sentir aquelas que são as necessidades do território.
Que balanço faz deste período em que está à frente dos destinos da autarquia?
É um balanço muito positivo, tendo a noção que nem tudo aquilo que perspetivámos teve realização. É evidente que, quando entra uma equipa nova, com uma visão diferente, pegamos nos projetos que estão em andamento, e que decorrem exatamente do programa que foi sufragado pelos Barrosões, para lhes dar andamento e conclusão. Mas também há uma perspetiva que é nossa, que tem a ver com a nossa personalidade, com a nossa sensibilidade e também com projetos novos que vão aparecendo. Quando assumi estas funções, estávamos no final de um quadro comunitário de apoio e foi preciso fazer o seu encerramento, com muitas obras e projetos que estavam no terreno, mas também, em simultâneo, aconteceu o lançamento do atual quadro comunitário. Portanto, foi preciso fazer opções e idealizar projetos. Foi preciso escutar os presidentes de junta, que são os nossos parceiros privilegiados, e perceber quais as intervenções prioritárias, fazendo ver que não se pode fazer tudo de uma vez, porque isso é impossível, não temos orçamento para que isso aconteça.
“Lisboa está muito focada no seu umbigo e está muito longe daquilo que é a realidade do país”
Sente que o poder central ouve as vossas preocupações, sobretudo sendo presidente de um concelho que fica muito longe de Lisboa?
Penso que não. Lisboa está muito focada no seu umbigo, naquilo que são as questões centrais e nacionais, mas que verdadeiramente não conhece o território. Esta pode parecer uma crítica muito incisiva, mas é a perceção que eu tenho. Penso que o poder central está muito longe daquilo que é a realidade do país e que se preocupa sempre em resolver questões que são importantes no todo nacional, mas falta aquele olhar específico para o interior, que representa dois terços do país. O nosso país é muito pequeno, mas a assimetria que se verifica é demasiado grande. Aquilo que verificamos são as cidades superlotadas, com os problemas que daí decorrem, seja em termos sociais, predominantemente, mas também em questões laborais e económicas, e de identidade também. E depois temos dois terços do país a lutar contra o êxodo populacional e com a baixa natalidade. É preciso que o poder central tenha esse olhar diferenciado para inverter esta situação. O diagnóstico está feito há muito tempo. Aliás, de Governo em Governo se discutem estas matérias e se apresentam soluções mais tradicionais, mas é mais do mesmo.
Na sua opinião, quais as soluções para combater esses problemas que acabou de referir, como a baixa natalidade e os problemas nos serviços?
Eu não quero aqui presumir que sei mais do que toda a gente. Como eu disse, este problema está diagnosticado e há muitas soluções no terreno. Penso que uma passaria, por exemplo, por maior justiça fiscal. Se houvesse aqui uma discriminação substantiva, seja no IRC, seja em outro tipo de impostos, se calhar vários investidores poderiam perspetivar virem até ao interior. Mas também, por exemplo, as acessibilidades. É inadmissível que um concelho como o de Montalegre, que é dos maiores do país, não tenha acessibilidades dignas e rápidas a vias principais. É uma reivindicação que temos feito há muito tempo. Temos uma Nacional 103, que é uma estrada icónica e muito bonita, com uma paisagem fabulosa, mas que carece de uma atenção que o poder central não tem dado. E a solução que apontamos nem sequer é uma solução extraordinariamente cara, mas que iria trazer ali uma dinâmica muito maior e muito mais interessante, não só para Montalegre, mas para os concelhos que se servem desta estrada. Bastava cortar duas ou três curvas e pôr ali umas faixas de lentos para o trânsito ser mais fluido. Bastava também, em alguns troços, o pavimento ser requalificado para continuarmos a ter a mesma estrada de montanha, icónica, mas que nos permitisse mais rapidez. Depois, a ligação à A24. Seria útil termos uma ligação rápida que permitisse que mais pessoas viessem para o nosso concelho. As acessibilidades são importantes dentro daquilo que é coesão territorial, que não pode ser só um mero conceito, que fica bonito em qualquer discurso, mas um conceito que tem de ser praticado e posto em ação. A coesão territorial só se verifica, efetivamente, quando tratamos de igual modo todas as terras, todos os concelhos.
Seguindo a mesma linha de pensamento dos problemas do interior, Montalegre tem pouco mais de nove mil habitantes, mas se recuarmos aos anos 70, eram quase 23 mil. Como é que vê o futuro para Montalegre com esta perda tão significativa de população?
Nos anos 70, as famílias eram o que eram. Os meus avós, do lado paterno ou materno, cada um deles teve seis e sete filhos. Os meus pais só me tiveram a mim e eu também só tenho um filho. Aquilo que verificamos é que, de geração para geração, houve uma diminuição substantiva no número de filhos. E hoje é uma opção, em primeiro lugar, porque as pessoas casam mais tarde e, portanto, o índice de fecundidade desce drasticamente. É também um aspeto cultural, porque as mulheres entendem que a sua vida, o seu desígnio de vida não é só ter filhos. No tempo dos meus avós, ter filhos, além de ser um prazer, de ser uma alegria, era também um contributo muito importante para a economia familiar, porque era mais um par de braços para trabalhar e para ajudar nas tarefas do campo. Hoje, felizmente, já não é assim. Não é por falta de apoios que as pessoas não têm filhos. É uma escolha pessoal, que é decorrente da modernidade. Como é que eu vejo o futuro? De uma forma otimista. É evidente que não acredito que voltemos a ter a população que tivemos nos anos 60, mas aquilo que temos verificado nos últimos dois anos é que pelo menos deixou de haver diminuição dessa população. Aliás, até houve um ligeiro acréscimo de população a residir em Montalegre, por causa dos imigrantes, que são todos bem-vindos. Também nós, na década de 60, perdemos muita população, exatamente por causa da emigração, porque a vida no campo era dura e porque as bocas para alimentar eram muitas, fruto dessas famílias numerosas. E houve a necessidade de emigrar em busca de uma vida nova e mais facilitada.
Considera que esse crescimento populacional, se deve ao slogan do município “Uma ideia de natureza”, onde as pessoas preferem viver no campo, com mais tranquilidade, e fugir às cidades?
Isto é tudo uma questão de perspetiva e como nós queremos ver as coisas. O meu concelho tem tudo para vivermos com conforto, com rendimento e sermos felizes. É evidente que esse slogan é aquele que identifica melhor a nossa identidade e também é a ideia onde nós vamos buscar esse rendimento e essa felicidade. Desde logo, os produtos endógenos de qualidade, sejam os produtos do fumeiro, sejam os produtos da carne Barrosã, assim como os legumes e a batata, que deram o nome a Montalegre.
O facto de Montalegre ter o selo de Património Agrícola Mundial também contribui para esse regresso?
Aquilo que eu desejo é que comece, efetivamente, a contribuir. Porque aí está um dos projetos que, em termos nacionais, devia ser acarinhado. É um selo que é único no país, não há muitos no mundo e, portanto, merecia uma atenção especial, que não tem tido. Nós continuamos a batalhar e honra-nos muito termos sido distinguidos com essa atribuição. Ser Património Agrícola Mundial significa para nós o quê? Significa termos o melhor de dois mundos. Soubemos interiorizar as lições do passado, os ensinamentos dessa ancestralidade, dessa produção agrícola, pecuária, desse modo de ser e de estar perante a natureza e transportá-los para a modernidade, criando eventos e oportunidades de negócio que permitem manter esta identidade, manter o modo de fazer, o modo de ser. Mas ter, ao mesmo tempo, um concelho que é extraordinariamente visitado por tantos turistas, que procuram aquilo que é diferente, genuíno e autêntico.
Tem sido uma das vozes ativas contra a exploração de lítio. Acha que a exploração pode colocar em causa o selo de património agrícola?
Pode colocar, sim, não só o selo, mas outras coisas. Sabemos qual a importância do lítio para o mundo, mas é preciso saber o que a exploração deixa no território. Deixa uma vasta área devastada, deixa a preocupação da água contaminada, um recurso que é fundamental para o consumo humano, mas também para o consumo animal, para as práticas agrícolas.
“A Sexta 13 e a Feira do Fumeiro são sinónimo de genuinidade, autenticidade e qualidade”
A emblemática Sexta-feira 13 e a Feira do Fumeiro são dois grandes eventos do concelho. O que têm de tão especial para atrair tantas pessoas?
É a genuinidade, a autenticidade e a qualidade. A Feira do Fumeiro dispensa apresentações. Já são 34 edições e cada vez vêm mais pessoas a Montalegre, que durante quatro dias esgotam toda a produção. Quem vem à Feira do Fumeiro sabe que vai encontrar produtos de extrema qualidade. Já a Sexta13 é um evento diferente de todos os outros. Não é um Carnaval, é mais do que isso. É uma marca identitária, porque vai beber a essa ancestralidade, a essa nossa herança celta, e transporta para a modernidade toda essa envolvente. É uma festa que tem a particularidade de começar às 13h13, mas não sabemos quando acaba. Habitualmente, é no dia 14, às cinco, seis, sete, oito da manhã, porque às oito da manhã ainda existe gente a celebrar. Estes eventos são muito importantes para a economia local, com os restaurantes e o alojamento a ficarem esgotados.
No que respeita ao setor das carnes, disse há pouco que é uma tradição que passa de geração para geração. Nota que os jovens têm vindo a apostar cada vez mais neste setor?
Muitos jovens têm percebido que podem viver e herdar uma coisa muito bonita e muito particular que é a paixão por aquilo que se faz. Temos vários jovens que ajudam na produção dos seus pais, alguns já têm manadas próprias. Estes animais são bons não só para o trabalho, e porque dão colorido e beleza aos lameiros, mas porque dão um rendimento muito significativo às pessoas. Todas as partes de um vitelo barrosão são ótimas, têm paladares diferentes e são aproveitadas. É importante percebermos que já há alguma valorização em termos da comercialização, mas esta carne merecia uma valorização muito maior.
Relativamente a obras, em que fase estão o Centro de Saúde e o Pavilhão Multifunções de Salto?
São duas obras icónicas. O Centro de Saúde é uma obra que surgiu no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência e vai iniciar brevemente, uma vez que já foi adjudicada e o relatório final já foi a reunião de câmara. O Multifunções de Salto é exatamente a mesma coisa. É um investimento que sai inteiramente do orçamento da câmara e, portanto, está adjudicado. Falta ir agora ao Tribunal de Contas para ter o visto prévio, para depois se iniciarem as obras. Mas temos outros projetos para além destes e que estão inseridos no quadro comunitário de apoio, em várias freguesias, como a reabilitação de arruamentos e das redes de água. Importa é que as pessoas percebam que não podemos fazer tudo ao mesmo tempo, porque são investimentos muito avultados, e aqui falo, por exemplo, do saneamento. A taxa de cobertura da população de Montalegre, ao nível do saneamento, não é assim tão baixa quanto isso.
O SIPAM (Sítios Importantes do Património Agrícola Mundial), abre em breve, o que vai trazer?
É um projeto interessantíssimo que vai abrir brevemente e que vai permitir desenvolver atividades muito diversas, com foco no Património Agrícola Mundial. A partir daquele espaço vamos desenvolver uma série de atividades para dar a conhecer esse património, desde atividades de montanha, seja o desenvolvimento de demonstrações culinárias com chefes de renome ou a realização de palestras.
“Criámos um regulamento de incentivos para colmatar uma necessidade. Temos quatro médicos perto da idade da reforma”
Na área da saúde, o município tem um apoio para fixar médicos no concelho. Qual o balanço que pode fazer, até ao momento?
Temos três médicos a beneficiar deste apoio. Criámos este regulamento de incentivos para colmatar uma necessidade, porque sabemos bem que os médicos têm uma formação muito longa, que têm expectativas de carreira e ambição. É um trabalho exigente, de grande responsabilidade e é normal que queiram a justa retribuição por esse trabalho. Aquilo que acontece é que em Montalegre temos, neste momento, quatro médicos que se aproximam da idade da reforma.
Para terminar, como está a situação financeira do município?
A situação financeira do município é muito boa e confortável. Temos um orçamento significativo, na ordem dos 30 milhões de euros, que pode subir com os projetos dos fundos comunitários. Quanto à dívida, é muito baixa.