Domingo, 19 de Janeiro de 2025
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Ernesto Areias
Ernesto Areias
Advogado. Colunista de A Voz de Trás-os-Montes

O pórtico de Péguy

Exatamente há cem anos, enlameada pela pobreza e a falta de meios médicos e hospitalares vivia-se a pneumónica logo após a I Grande Guerra, em plena I República jacobina, anti-clerical e sem rumo que a fizeram desaguar no exutório do Estado Novo durante quase meio século. Foram, então, muitos os que sucumbiram sem meios e quem lhes acudisse sufocados pela pneumonia.

Hoje, o cenário repete-se, mas com mais aconchego, benevolência e meios para debelar a covid 19 que, mesmo assim, não evitaram que até ao dia de hoje tenham sucumbido no mundo quase dois milhões de pessoas.

Felizmente chegaram as vacinas que em tão pouco tempo não puderam ainda dar testemunho da sua eficácia para debelar esta crise que  amedronta.

No meio das grandes crises há quem veja o divino transmutado no concreto das próprias ilusões como sucedeu com o imperador Constantino na batalha da ponte Milvia ou com D. Afonso Henriques na mítica batalha de Ourique. Da visão de Constantino o cristianismo converteu-se na religião do Império depois do édito de Milão e da visão do nosso rei consolidou-se a ideia de Portugal.

Menos dado a estas transcendências convoca-me hoje o Pórtico o Mistério da Segunda Virtude de Charles Péguy, o poeta da Esperança.

Para o poeta, nascido em 1873 em Orleães, a Esperança era a segunda virtude tendo-lhe dedicado a obra acima referida.

Depois de um período de agnosticismo converteu-se, mesmo não tendo passado, ao que se supõe, de católico não praticante. Parece-me defensável um terceiro conceito na relação com o divino e a religião, a acrescentar aos de católico praticante e não praticante: acrescentaria o de católico militante, ideia que me é muito cara. A militância cristã dos que nascemos sob o signo da cultura e civilização judaico-cristã cola-se à pele  dos nossos conceitos e ideia do mundo. Mesmo os menos crentes não deixarão de ser cristãos militantes porque a síntese dos seus valores assenta no cristianismo.

A Esperança para os crentes é o triunfo da vida eterna, essência ou talvez metáfora bem urdida pelos teólogos e, neste caso por Charles Péguy que a interpreta como graça divina. Refúgio da nossa incapacidade, é por vezes uma manifestação de desespero do inapelável, do desespero da nossa insignificância para mudar o rumo do destino.

Apesar da Esperança que Péguy descreveu tão bem, a verdade é que foi das primeiras vitimas da I Grande Guerra tendo sucumbido com um tiro numa batalha, porque a vida na sua forma mais cruenta se sobrepõe ao mistério das nossas crenças.

Durante esta crise sanitária, a esperança de base cristã de Péguy apresenta-se diluída, evanescente, escondida também ela sob uma máscara de medo.

Quando Jesus entre o humano e o divino disse “ Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” dir-nos-ia hoje “ Dai à ciência o que é da ciência e a Deus o que é de Deus”.

Não confundamos pragmatismo com a fé, Deus com a ciência porque a cada um cabe o   quinhão que lhe é devido.

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