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Eduardo Varandas
Eduardo Varandas
Arquiteto. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Os intelectuais e a política

António José Saraiva, intelectual inconformista, que pagou um alto preço, por isso, tendo sido demitido da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por Vitorino Nemésio, onde era seu assistente, bem pode ser considerado, um exemplo de mestre pensador e ensaísta com uma intensa intervenção cívica, durante toda a sua vida, sem contudo se ter envolvido no desempenho de qualquer cargo governativo ao contrário de José Hermano Saraiva, seu irmão, que foi ministro da Educação do antigo regime.

AJS, um dos mais proeminentes homens de cultura da nossa contemporaneidade, começou por militar no PCP, de quem se afastou, na sequência de uma visita à União Soviética, onde viu coisas de que não gostou, quando já se encontrava exilado em França, para onde partiu em 1960. A partir desse momento começou a pôr em questão as teorias marxistas, em que acreditava.

No livro editado por Ernesto Rodrigues, intitulado Cartas de Amor de António José Saraiva a Teresa Rita Lopes, da Gradiva, é possível inferir pela análise crítica que tece à política portuguesa, durante o período pós-25 de Abril, o que o levou à rutura com o PCP, em 1962.

Conta-se que numa conferência proferida em Paris, repleta de gente, expôs as suas ideias sobre a ideologia marxista de tal forma contundente, que quando acabou a sua preleção, nenhum dos presentes o aplaudiu. Ficaram todos perturbados com as blasfémias que ouviram. Um antigo operário vidreiro, militante do PCP, presente na assistência, quebrando o silêncio gelado, que imperava no auditório, afirmou: «Oh, Dr. Saraiva, se eu acreditasse no que acabou de dizer, ia-me atirar ao Sena». Mais tarde, já depois da queda do regime, quando se encontrava a viver de novo em Portugal, alguns capitães de Abril, numa sessão realizada no Centro Nacional de Cultura, mostraram-se incomodados, quando contrariou as ideias marxistas que muitos deles tinham ido beber, à pressa, nos seus livros.

Numa carta datada de 8 de agosto de 74, dirigida a Rita Lopes, a residir em França, dizia a dado passo o seguinte: «O PC tem aqui grande aceitação. As pessoas falam do PC com grande ingenuidade, ignorando tudo o que nós sabemos pelo Monde, etc.

Não sei se terei alguma possibilidade de intervir. Criou-se uma espécie de censura tácita, que consiste em tudo o que é anti-PC como sendo contra a democracia. Desta forma, não se pode fazer qualquer crítica à URSS ou ao partido sem incorrer no risco de ser considerado reacionário. Estão criadas as condições psicológicas para o PC tomar o poder. Ninguém nos jornais de Lisboa, se atreve a criticá-lo».

Numa outra missiva com data de 31 de outubro de 75, é possível ler o seguinte: «O Rogério Paulo está opiparamente amesendado como diretor do INATEL (sucessor da FNAT), que paga 80 contos por mês à Intersindical; e emprega diversos outros jornalistas e escritores do PC».

Esta visão de AJS da política portuguesa, no período conturbado subsequente a abril de 74, tornaram-no num dos intelectuais mais clarividentes e interventivos da sociedade lusa de então.

Homem de cultura, com várias obras publicadas, deixa-nos um legado cultural importante de que destacamos: Iniciação na Literatura Portuguesa, A Tertúlia Ocidental, O Crepúsculo da Idade Média em Portugal e Para a História da Cultura em Portugal.

Bem se pode dizer que homens como AJS fazem falta ao nosso pequeno mundo, tão politicamente correto e sensaborão.

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