AJS, um dos mais proeminentes homens de cultura da nossa contemporaneidade, começou por militar no PCP, de quem se afastou, na sequência de uma visita à União Soviética, onde viu coisas de que não gostou, quando já se encontrava exilado em França, para onde partiu em 1960. A partir desse momento começou a pôr em questão as teorias marxistas, em que acreditava.
No livro editado por Ernesto Rodrigues, intitulado Cartas de Amor de António José Saraiva a Teresa Rita Lopes, da Gradiva, é possível inferir pela análise crítica que tece à política portuguesa, durante o período pós-25 de Abril, o que o levou à rutura com o PCP, em 1962.
Conta-se que numa conferência proferida em Paris, repleta de gente, expôs as suas ideias sobre a ideologia marxista de tal forma contundente, que quando acabou a sua preleção, nenhum dos presentes o aplaudiu. Ficaram todos perturbados com as blasfémias que ouviram. Um antigo operário vidreiro, militante do PCP, presente na assistência, quebrando o silêncio gelado, que imperava no auditório, afirmou: «Oh, Dr. Saraiva, se eu acreditasse no que acabou de dizer, ia-me atirar ao Sena». Mais tarde, já depois da queda do regime, quando se encontrava a viver de novo em Portugal, alguns capitães de Abril, numa sessão realizada no Centro Nacional de Cultura, mostraram-se incomodados, quando contrariou as ideias marxistas que muitos deles tinham ido beber, à pressa, nos seus livros.
Numa carta datada de 8 de agosto de 74, dirigida a Rita Lopes, a residir em França, dizia a dado passo o seguinte: «O PC tem aqui grande aceitação. As pessoas falam do PC com grande ingenuidade, ignorando tudo o que nós sabemos pelo Monde, etc.
Não sei se terei alguma possibilidade de intervir. Criou-se uma espécie de censura tácita, que consiste em tudo o que é anti-PC como sendo contra a democracia. Desta forma, não se pode fazer qualquer crítica à URSS ou ao partido sem incorrer no risco de ser considerado reacionário. Estão criadas as condições psicológicas para o PC tomar o poder. Ninguém nos jornais de Lisboa, se atreve a criticá-lo».
Numa outra missiva com data de 31 de outubro de 75, é possível ler o seguinte: «O Rogério Paulo está opiparamente amesendado como diretor do INATEL (sucessor da FNAT), que paga 80 contos por mês à Intersindical; e emprega diversos outros jornalistas e escritores do PC».
Esta visão de AJS da política portuguesa, no período conturbado subsequente a abril de 74, tornaram-no num dos intelectuais mais clarividentes e interventivos da sociedade lusa de então.
Homem de cultura, com várias obras publicadas, deixa-nos um legado cultural importante de que destacamos: Iniciação na Literatura Portuguesa, A Tertúlia Ocidental, O Crepúsculo da Idade Média em Portugal e Para a História da Cultura em Portugal.
Bem se pode dizer que homens como AJS fazem falta ao nosso pequeno mundo, tão politicamente correto e sensaborão.