Sexta-feira, 23 de Maio de 2025
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Eduardo Varandas
Eduardo Varandas
Arquiteto. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Três mulheres do povo simples e frontais

Nos meus tempos de juventude habituei-me a observar e, por via disso, a admirar a resiliência e a frontalidade das mulheres da minha aldeia, das quais me permito destacar três delas pelo seu desassombro e coragem cívica.

Quer pela sua compleição fisica, ambas bem constituídas, quer pela coragem e destreza em enfrentar as vicissitudes da vida, num ambiente rural dos anos sessenta do século passado, impunham sempre muito respeito a quem com elas se confrontasse.

A Tia Rosa da Fonte Cova, a Tia Maria Cândida e a Tia Trindade Varandas constituiam um trio de respeito, por quem sempre nutri uma enorme admiração.

A primeira das três, a mais idosa, de grande sabedoria popular, dava sempre a cara em qualquer situação dificil, principalmente, quando estavam em causa interesses comuns a toda a comunidade. Naqueles tempos a visita das patrulhas da GNR do Posto de Poiares, às aldeias circundantes, na sua missão de manutenção da ordem pública e fiscalização das tabernas e mercearias, acontecia com bastante regularidade. Porém, em muitas ocasiões, a postura da GNR, pautava-se pela arrogância e excesso de zelo no cumprimento da lei, criando nas populações um sentimento de revolta que, durante anos, muito contribuiram para a sua má reputação. Recordo-me de um confronto verbal, que a Tia Rosa da Fonte Cova manteve com uma dessas patrulhas, quando a propósito de uma reprimenda a um dos seus conterrâneos, saiu em sua defesa enfrentando os agentes de autoridade sem tibiezas, utilizando uma ousada persuasão, à boa maneira da Maria da Fonte, levando-os a retirar sem mais delongas. 

Um dos elementos da GNR, “batizado”, por ela, com a peculiar alcunha de albardeiro, conhecido pela sua brutalidade e rudeza, era quem mais sofria com as suas investidas argumentativas.

A Tia Maria Cândida, proprietária de uma pequena taberna e mercearia, apesar de, aparentemente, mais cordata e conciliadora, mas dotada de um forte espírito de liderança, arrastava atrás de si a gente da aldeia, de que é exemplo, o episódio do fornecimento de água ao edificio da nova escola primária, ocorrido aquando da sua construção na zona do Valado.

Correndo a notícia de que o empreiteiro se preparava para desviar parte da água que abastecia a fonte pública e que isso, a acontecer, iria reduzir drasticamante o caudal da referida fonte, logo tratou de mobilizar a população que, com ela à frente, se deslocou para as instalações da nova escola e aí todos, armados de sacholas, picaretas e outros utensílios, acabaram por destruir totalmente as canalizações da nova rede de abastecimento em construção, inviabilizando assim o projeto concebido para esse fim. 

Quanto à Tia Trindade Varandas, residente no início da Rua do Carvalhal, local estratégico, por onde, obrigatoriamente, passavam as mulheres com grandes alguidares de roupa à cabeça e se dirigiam para o tanque comunitário, nas Lavandeiras, só a sua presença fisica, bem encorpada, impunha respeito a qualquer um. Nunca se coibia de confrontar quem quer que fosse com a sua dialética de experiência feita, utilzando uma linguagem vernácula que funcionava eficazmente, junto dos seus contendores.

Perdura ainda no meu imaginário a figura tutelar destas três mulheres, que se tornaram verdadeiros ícones da freguesia de Guiães, a cuja memória não posso deixar de prestar a minha homenagem.

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