Sábado, 7 de Dezembro de 2024
No menu items!

Um era padre, outro diplomata: Dois assassinatos que nunca foram deslindados

-PUB-

O desenvolvimento de atitudes fraturantes e, como tal, as respostas de sinal contrário que hoje tanto se fazem sentir revela um novo identificador político que passa pelo “perigo” que a democracia enfrenta, pelo crescimento da extrema direita em vários pontos do mundo (em Portugal também) estando até a ser avalizada pelo voto democrático, como se viu nas mais recentes eleições legislativas portuguesas).

“Se a vida das pessoas fosse só Memória, passado refletido, já não seria pouca. É que é no passado que encontramos as razões para não absolutizarmos o presente nem nos alienarmos do nosso futuro”
Paulo Bateira, 1974-1975

Crimes sem culpados

A luta ideológica e a tentativa de tomar o poder, a dicotomia entre a direita e a esquerda (e as suas pontas extremas), a guerra entre elas, a cortesia e a provocação, a tolerância e a intransigência sempre foram armas de arremesso por parte de quem as usa. Não apareceram agora, subitamente, do nada, de um big-bang qualquer. Mas que muito está a surpreender e a afligir as pessoas de todo o planeta, também ele ameaçado por devastações inesperadas, por conflitos, guerras, genocídios e o mais que se tem visto por aí, com o aval das grandes potências e até de potências médias e menores que acabam por ser joguetes entre quem produz as armas e as destrói.

Atentemos em dois casos que envolveram a região transmontana em geral e a de Vila Real em particular, ora em 1976, ora em 1988. Nunca foram encontradas as razões nem descobertos os culpados pela Justiça nos assassinatos de duas figuras importantes: o padre Maximino Barbosa de Sousa (“Padre Max”) e o diplomata Sérgio Moutinho.

Em 3 de abril de 1976, na véspera de eleições em Portugal, no conturbado clima do PREC / “Processo Revolucionário em Curso” e da contrarrevolução (com atentados bombistas e ações violentas de uma intitulada “maioria silenciosa” sustentada por um grupo de pessoas tão violento como efémero designado MDLP / Movimento de Libertação de Portugal) um sacerdote católico também professor faleceu dentro do seu automóvel no qual seguia com uma aluna, depois de uma sessão de dinamização cultural na Cumieira (Santa Marta de Penaguião). No regresso a casa, uma potente bomba explodiu na viatura e desse modo se perderam duas vidas. O crime nunca foi explicado, apesar de “oscilantes” e demoradas investigações que nunca deram fruto.

“Encontram-se desde o fim da tarde de anteontem em Vila Real elementos da Polícia Judiciária do Porto a fim de dar continuidade às investigações sobre a morte do padre Maximino e da jovem Maria de Lurdes que foram vítimas da explosão de uma bomba no automóvel daquele professor. O processo transitou para a 2ª Secção daquela polícia”
Nota publicada no “Jornal de Notícias, de 7 de abril de 1976

Quase 50 anos depois, há quem defenda a teoria que, na altura já vigorava, de que o crime foi propositadamente “escondido” pelas forças políticas de então. A extrema-esquerda (o padre tinha aceitado ser candidato da UDP/União Democrática Popular) acusou a rede bombista da extrema-direita e esta deu como certo e fez passar a mensagem de se ter tratado de um crime passional, envolvendo o padre, a aluna que com ele seguia e o namorado desta que saíra da viatura momentos antes de a bomba explodir, facto que também levantou outras suspeitas que o jornal “O Diabo”, dirigido por Vera Lagoa, viria a referir:

“Há um ano, na Cumieira, alguém matou o Padre Max, a Maria de Lurdes e o filho que ela trazia no ventre. Depois do barulho em torno do caso, o silêncio. Por quê a Polícia Judiciária, depois de transferir o processo do padre Max de uma brigada para outra, mantém o caso no segredo dos deuses?”
“O triplo crime da Cumieira”, manchete de “O Diabo” de 12 de abril de 1977

Esse tipo de argumentação decorreu também em relação a outro “mistério” que acabou por ser a morte de um diplomata vila-realense acontecida na Turquia onde exercia funções. Para uns, o diplomata (que apareceu morto ao ar livre, num espaço verde arborizado) foi assassinado pela extrema-direita turca, atendendo a que defendia valores da esquerda política e era homossexual. As forças da extrema-direita apontaram como razão da morte um crime passional, argumentando que o diplomata tinha sido morto ao ar livre, num espaço verde muito arborizado no qual aconteciam, normalmente, encontros amorosos.

Padre Maximino de Sousa

Fosse hoje e o padre Max não teria morrido nas circunstâncias em que morreu. A revolução portuguesa “estabilizou”, a aceitação das ideias é agora outra, as bombas desapareceram da ação política.

Maximino de Sousa era uma pessoa empenhada na intervenção política, cultural e social. Vivia rodeado de jovens que o idolatravam como professor e dinamizador. Não tinha medo de intervir e quando o fazia não levantava dúvidas ou confusões. Tinha espírito aberto, sabia ler onde as outras pessoas ainda aprendiam as primeiras letras, estava também perto de quem era iletrado e/ou pobre, desfavorecido pelas condições sociais ou pelos sítios em que viviam, onde a saúde, a educação, o trabalho ou a cultura eram escassos.

“O padre Max trilhou o caminho exigente e criador da entrega de si mesmo. Desaprendeu o caminho do Templo à medida que foi aprendendo o caminho do Próximo”
Padre Mário de Oliveira, em 1977

O que sucedeu ao padre Max teve antecedentes: tudo terá começado quando ele apoiou a luta na Escola do Magistério Primário de Vila Real, em outubro de 1975, contra os “saneamentos à esquerda”. Um pouco depois, interveio numa reunião de estudantes no ginásio da escola técnica desta cidade. A seguir, aconteceu ter sido candidato independente pela UDP, uma força política de extrema-esquerda na época, o que levou à sua suspensão de funções eclesiásticas. Razão para que alguns questionassem a legitimidade das posições políticas do padre e ameaçasse intervir contra ele.

No dia 4 de abril de 1976, o “Jornal de Notícias” dava conta do atentado:
“Faleceu no Hospital de Vila Real, na madrugada de ontem, o padre Maximino de Sousa, de 32 anos de idade que era professor no Liceu daquela cidade e candidato da UDP pelo círculo de Vila Real. Conforme ontem noticiámos, o padre Maximino foi vítima de um atentado e com ele morreu a jovem Maria de Lurdes Correia, de 19 anos, estudante, em consequência de ter explodido uma bomba que havia sido colocada no automóvel daquele sacerdote”.

Por sua vez, o jornal semanário “Voz do Povo” (ligado à UDP) rapidamente endossou responsabilidades à direita, escrevendo, em 6 de abril de 1976:

“Este miserável atentado, perpetrado pelas forças mais negras da reação, marca o início da campanha eleitoral da direita. Como na direita a quer fazer: assassinando antifascistas, tentando semear entre o povo o terror, a desmoralização, a paralisia”.

O padre Max tinha-se deslocado de Vila Real à aldeia da Cumieira para lecionar português e francês a trabalhadores-estudantes do então designado Ciclo Preparatório. As aulas decorriam na Casa da Cultura daquela aldeia (o padre Max era bacharel em Filologia Românica). No regresso, vinham no seu carro a jovem Maria de Lurdes Correia e outro jovem de nome Carlos Alberto que saiu momentos antes, junto a sua casa. Menos de um minuto depois deu-se a explosão que matou ambos.

De uma entrevista da VTM, feita por Márcia Fernandes ao jornalista vila-realense Luís Costa Ribeiro, autor de longa pesquisa que deu origem a um livro (“Quem matou o padre Max e Maria de Lurdes”):
– “Quem teve medo do apuramento da verdade dos factos?”.
– “Julgo que ninguém. O processo foi simplesmente arquivado, transitou em julgado. A maioria das personagens envolvidas ficou na história pelas, piores razões. Devem ter muitas contas a dar a Deus pelos seus pecados. Ou talvez não: esta gente não tinha alma”.

©AC

Diplomata Sérgio Moutinho

Não muito diferentes terão sido as motivações que terão levado ao crime de morte que vitimou Sérgio Manuel Pinto Moutinho, diplomata de carreira que nasceu em Folhadela (Vila Real), que estudou no Liceu Nacional Camilo Castelo Branco e que depois de ter terminado os estudos superiores foi professor de língua portuguesa em Felgueiras e diplomata na Turquia.

Sérgio Moutinho era um “bon vivant”, dialogava muito com toda a gente, era assertivo nos diálogos que mantinha com toda a gente, com muita abertura de espírito e vivacidade. Em 1980/81 iniciou a carreira diplomática para a qual nutria especial tendência.

Passou algum tempo nos Estados Unidos, regressando a Vila Real antes de seguir para a Turquia, depois de ter sido aprovado nas provas de acesso à Diplomacia.

Em dezembro de 1988 foi noticiada a sua morte. Tinha tido um fim semelhante ao do cineasta Pier Paolo Pasolini de que Sérgio era admirador, em circunstâncias trágicas que nunca vieram a ser identificadas e/ou julgadas. Para uns, foram os esbirros políticos da direita turca que sabiam da sua preferência e atividade em prol da modernidade e das políticas de esquerda que sempre advogou e defendeu. Para outros, foi a sua vida privada que o matou, numa mata, às mãos de um hipotético companheiro homossexual.

Para um seu companheiro de diplomacia, o húngaro Jan Vlodosovo, “o conjunto de situações que levaram Sérgio Moutinho à morte terá sido preparado por uma cilada em que veio a cair, com o envolvimento de desconhecidos”, por razões políticas. Mas nada foi, então e depois, confirmado.

Tal como no caso do assassinato do padre Max, o silêncio ficou por cima, das investigações ninguém soube nada, as autópsias das vítimas não foram reveladas. Sinal de que a motivação política terá muito mais a ver com o desaparecimento dos dois vila-realenses do que as passionais.

APOIE O NOSSO TRABALHO. APOIE O JORNALISMO DE PROXIMIDADE.

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo regional e de proximidade. O acesso à maioria das notícias da VTM (ainda) é livre, mas não é gratuito, o jornalismo custa dinheiro e exige investimento. Esta contribuição é uma forma de apoiar de forma direta A Voz de Trás-os-Montes e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente e de proximidade, mas não só. É continuar a informar apesar de todas as contingências do confinamento, sem termos parado um único dia.

Contribua com um donativo!

VÍDEOS

Mais lidas

ÚLTIMAS NOTÍCIAS