Atualmente, é uma via aberta, larga, de boas vistas, com refúgios para situações de emergência, equipada com sinalização eficaz e “rails” metálicos, possuindo até, aqui e ali, instalações de semáforos em pontos eventualmente mais críticos, algumas correções do trajeto, especialmente em curvas e junto das pontes (que têm sido corrigidas e alargadas), assim como áreas com menos visibilidade por causa de taludes. E tem agora um pavimento mais plano, mais antiderrapante, mais resistente e seguro, com menos buracos. Nessa altura, vigorava o macadame, agora o piso (um “tapete”) garante mais segurança. Mas já foi estreita e malcuidada.
Ainda agora, no entanto, nesta e noutras estradas nacionais do nosso país, ocorrem graves acidentes com vítimas mortais e gente ferida gravemente com sequelas e vestígios para toda a vida. Mas as causas são outras: o excesso de velocidade (apesar das restrições existentes), as distrações (há ainda quem não use cintos de segurança de que as viaturas hoje dispõem e que antes não possuíam, assim como outras aplicações (GPS, air bag, novas formas de comunicação, regras rígidas que antigamente não eram ainda conhecidas). Muitos acidentes de hoje resultam de causas excecionais que têm por base distrações ou erros lamentáveis, como o uso do telemóvel em movimento, abuso de álcool ou de drogas.
Mas na época de cinquenta / sessenta do século passado as razões eram outras, entre elas as falhas mecânicas. Não havia a inspeção periódica das viaturas e as regras do código da estrada eram menos exigentes e mais permissivas, não obstante a vigilância que aqui e ali as autoridades policiais levavam a efeito (já na altura havia as “Operações Stop”).
Uma falha mecânica causou tamanha desgraça
Foi uma falha mecânica que causou, na EN2, em Oura, freguesia do concelho de Chaves, paredes-meias com a vila termal de Vidago, um acidente dramático extraordinário (até então não era conhecido um acidente rodoviário com tais efeitos de mortandade: foram sete as vítimas mortais de um choque entre um autocarro de passageiros da Auto Viação do Tâmega (então a iniciar o novo processo de transporte de passageiros que até então era garantido apenas pelo comboio da Linha do Vale do Corgo, entre a Régua e Chaves) num trajeto sinuoso e demorado que agora é uma ciclovia/ ecopista porque o transporte ferroviário deixou de existir a partir do primeiro dia do ano de 1990, quando já só permitia a ligação entre a cidade duriense a capital do distrito.
O aparecimento da Auto Viação do Tâmega pretendia responder com melhores condições de conforto e de rapidez para os passageiros do que o já antigo comboio que era moroso, movido a vapor, com bancos de madeira, num trajeto serrano, entre montes, quintas, terrenos altos de pasto e até atravessando zonas mais planas, como o vale de Vila Pouca ou a veiga de Chaves e algumas localidades que por ele eram gratamente servidas.
O que foi, então, esse desastre? O que teve a ver com o autocarro (que tinha sido alugado por um grupo de excursionistas para levar a efeito um passeio descontraído na véspera do natal desse ano) e o comboio?
Uma ponte estreita de mais
Seguia então esse autocarro no declive do Reigaz, na serra – ou ribeira – de Oura (com socalcos de vinhas e árvores de fruta), entre Vila Pouca de Aguiar e Vidago, conduzido por um motorista experiente, chamado Germano. O grupo de vidaguenses (quarenta e sete pessoas) estava bem disposto. Era formado por homens, mulheres e crianças, casais, pais e filhos, familiares que se aproximavam de casa depois do passeio, preparados provavelmente para tratar do natal que se aproximava.
De súbito, soou o alarme: o senhor Germano gritou para os passageiros que se sentassem e agarrassem bem, porque o autocarro ficara sem travões. Todos se sobressaltaram, testemunhando os esforços do motorista em manter o controlo do veículo tão pesado e cheio de gente. Para além da forte inclinação da estrada naquele local: quem conhece sabe que há muitas curvas, serpenteantes, muito próximas umas das outras, entre Sabroso e Oura. E se hoje curvar ali é um dado adquirido, com mais facilidade, façamos um exercício de memória para sentir o quão difícil seria segurar um autocarro sem sistema ABS, sem travões naquelas circunstâncias.
Era intenção de Germano Baptista tentar passar a estreita ponte de Oura (por baixo passava a linha férrea) e dirigir a camioneta de passageiros para uma rua da aldeia, logo a seguir, paralela à EN2 e que tinha inclinação oposta àquela que o autocarro levava.
“Fiquem todos atrás e no meio” – ainda gritou para os assustados passageiros, procurando acalmar os mais aflitos. “Se for preciso, encosto e raspo o autocarro às paredes das casas” – prosseguiu.
Autocarro caiu na linha férrea
Mas a intenção do condutor não pôde materializar-se, porque um acontecimento inesperado e funesto teve lugar nessa ponte, onde duas camionetas não se cruzariam, por ser estreita. Já sobre ela, surgiu à frente do autocarro uma camioneta ligeira, de caixa aberta. O choque da camioneta de passageiros com a carrinha foi tremendo e brutal. De tal maneira que a primeira derrubou o resguardo de pedra da ponta e precipitou-se sobre a linha férrea que passava por baixo.
Morreram sete pessoas: Germano Baptista (motorista do autocarro), José Joaquim, Gertrudes, Aníbal, uma menina ainda criança (todos passageiros), António Oliveira e Joaquim Augusto (pai e filho que eram os ocupantes da carrinha que carregava frutas e hortícolas). Mas ainda poderiam ter morrido mais pessoas que estavam encarceradas, caso o comboio (que, por estranha coincidência, se aproximava do lugar do desastre) não tivesse parado na sua marcha também descendente, vindo do apeadeiro de Loivos.
Archotes e lanternas fizeram sinais ao comboio
Isso aconteceu porque um grupo de populares que tinha acorrido para prestar assistência, adivinhando o que poderia ser uma tragédia maior, arranjou archotes (a noite já caíra) e lamparinas luminosas que permitiram ao maquinista da composição ferroviária, ouvindo os gritos lancinantes de quem lhe acenava, aperceber-se do perigo iminente, fazendo com que a locomotiva e as carruagens se detivessem.
O desencarceramento (não havia os meios que hoje há) foi muito difícil, sob o frio e o escuro da noite. Durante muitas horas, a Estrada Nacional e a Linha do Vale do Corgo estiveram cortadas. As ambulâncias e os carros particulares desdobraram-se no transporte dos feridos para o hospital de Chaves ou até, no caso dos feridos mais ligeiros, para as farmácias e consultórios de alguns médicos, onde foram socorridos.
Os mortos foram sepultados no dia 22 desse fatídico dezembro de 1964. Vai fazer, em 2024, sessenta anos que isto aconteceu.