Segunda-feira, 19 de Maio de 2025
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A Cidade e as Serras

Perdoe-me o leitor a falta de criatividade para intitular este artigo, mas não é muito distinta a ideia que nos inspirou para o escrever e a trama queirosiana a propósito de Jacinto, da sua vinda a Tormes, em Baião, e consequente (re)descoberta de si mesmo.

Também o nosso argumento se baseia na experiência humana de enraizamento no espaço físico e no horizonte paisagístico, fazendo-os lugares, morada. Na morada é, justamente, onde algo ou alguém se encontra, se abriga e se constrói.

Mas desengane-se o leitor se pressupõe que foi o romance homónimo que motivou a nossa escrita. Antes uma experiência que data do passado dia 18 de setembro: Vila Real recebera a primeira luz do Sol envolta em fumo, legado maldito dos incêndios que lavraram tanto nas proximidades, quanto nas lonjuras. E Vila Real acorda nesse dia capaz de suscitar hesitação a quem a olha habitual e diariamente com o coração: “qu’é das serras?”.

Parecera o dia em que Deus se zangara com estes transmontanos e lhes tirara a desafogada vista, a benesse de viver numa terra “grossa, fragosa, bravia”! Vistas as coisas, já nem mandariam; nem para cá, nem para lá, dado o Marão não existir. Que desterro, olhar em volta e sentir orfandade, testemunhar uma cidade erguida, com suas gentes, numa espécie de planície sem horizonte, sem graça, sem caráter. Vila Real, cercada, sem montes. A um passo de Amarante, sem túnel…sempre a direito. E escusado será fazer notar que o Alto de Espinho, seria o “Baixo de Espinho” e a Senhora da Serra, a Senhora de outra coisa qualquer.

O enraizamento, fenómeno humano amplamente esmiuçado sob o ponto de vista literário, na perspetiva da filósofa Simone Weil (1909-1943), é a necessidade mais importante e mais ignorada da alma humana. Para se formarem integralmente, as pessoas precisam de criar raízes, sob vários pontos de vista. Um deles relaciona- se com os significados que atribuímos aos espaços onde estamos e, mais importante, aos espaços onde somos. Miguel Torga percebera esta condição, tendo-a traduzido em palavras de forma sublime: “Hirtos, os montes velam”, remetendo-nos para o Marão e o Alvão, anciãos milenares.

No último dia do mês de outubro dedica-se mundialmente o dia às cidades, na esteira de urbes mais verdes, mais sustentáveis, mais respeitosas do meio ambiente e, portanto, mais eticamente habitadas. Velar pelo património natural envolvente de uma cidade, ou seja, velar pelos montes que nos definem, conhecê-los, dedicar tempo para contemplar, diariamente, o momento em que permitem que o Sol se esconda, parece-nos um princípio, e um fim, para tal acontecer. Parece-nos, aliás, imperativo.

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