“Vão todos absolvidos”, disse o juiz na leitura da sentença, no Tribunal de Bragança, onde não esteve presente, nem durante o julgamento, o principal arguido, Manuel Godinho, que se encontra a cumprir pena de prisão pelo processo Face Oculta.
O tribunal entendeu que não se provaram os factos da acusação e decidiu aplicar o princípio de ‘in dubio pro reo’ (na dúvida, a favor do réu), absolvendo o empresário e os outros três arguidos, concretamente um sobrinho de Manuel Godinho e dois antigos funcionários da extinta REFER, a Rede Ferroviária Nacional, entretanto integrada na empresa Infraestruturas de Portugal (IP).
Este processo em Bragança resultou do julgamento do processo Face Oculta, em Aveiro, e em causa estava um concurso lançado pela Refer, em 2009, com 16 lotes na zona Norte de Portugal para a retirada de diverso material de antigas linhas e estações ferroviárias, nomeadamente carris.
A investigação detetou alegados atos ilícitos em seis dos 16 lotes, nas zonas de Trás-os-Montes e no Minho, “com particular incidência” no lote relativo a Mirandela e Tua, no distrito de Bragança, o que levou a que o processo fosse remetido para esta comarca.
O julgamento começou em novembro e o tribunal concluiu não haver provas para condenar os arguidos. O processo chegou a julgamento com alterações à acusação inicial do Ministério Público, que levaram à redução de oito para quatro arguidos e do número de crimes.
Os arguidos estavam acusados de vários crimes de burla que caíram porque a lesada, a Refer, deu conhecimento ao tribunal de que foi, entretanto, ressarcida dos prejuízos pelos arguidos, o que levou à extinção dos crimes de burla.
Em causa estava um alegado prejuízo de mais de 87 mil euros para a Refer por a empresa de Manuel Godinho ter declarado a recolha de apenas cerca de metade do material que realmente levantou dos seis lotes em causa.
Apesar de extinto o crime de burla, o tribunal manteve a acusação pelo crime de falsificação de notação técnica, por alegadamente os arguidos terem adulterado as pesagens, e de corrupção a um dos arguidos.
Um dos acusados chegou a confessar, no início do julgamento, que faziam “batota” para pagar menos à Refer, levando mais material do que o declarado. Porém, a sentença concluiu ser impossível comprovar os valores das pesagens e apurar se houve ou não adulteração, da mesma forma que não encontrou provas de corrupção.
Os factos remontam a 2009, altura em que Manuel Godinho era presidente do conselho de administração de várias empresas que concorreram aos concursos lançados pela Refer em várias zonas do país.
Manuel Godinho é o principal arguido do Face Oculta. O antigo empresário das sucatas foi condenado em 2014, no Tribunal de Aveiro, a 17 anos e meio de prisão por 49 crimes de associação criminosa, corrupção, tráfico de influência, furto qualificado, burla, falsificação e perturbação de arrematação pública.
O responsável recorreu para a Relação do Porto, que reduziu a pena para 15 anos e 10 meses, e voltou a recorrer, desta vez para o Supremo Tribunal de Justiça, que diminuiu a pena para os 13 anos de prisão. Entretanto, o Tribunal de Aveiro declarou prescritos vários crimes pelos quais foi condenado, tendo fixado em 12 anos de prisão o novo cúmulo jurídico.
O processo Face Oculta, que começou a ser julgado em 2011, está relacionado com uma alegada rede de corrupção que teria como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho nos negócios com empresas do setor do Estado e privadas.
O caso continua a desencadear processos judiciais e levou ao banco dos réus dois antigos governantes do PS, Armando Vara e José Penedos, que foram condenados a penas efetivas de cinco anos e três anos e três meses de prisão, respetivamente.