Sexta-feira, 26 de Julho de 2024
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O que mudou na vida das mulheres?

50 anos depois da revolução dos cravos muita coisa mudou na sociedade, em particular no que diz respeito aos direitos das mulheres. A lei impunha-lhes limitações, como no direito ao voto, mas também tinham vedado o acesso a várias carreiras e a outros direitos. A VTM foi ouvir testemunhos de mulheres que viveram o antes e o depois do 25 de Abril

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Durante a ditadura, as mulheres só podiam trabalhar com a autorização do marido e ganhavam menos 40% do que os homens. Não podiam ser juízas, diplomatas ou polícias, as enfermeiras e hospedeiras não se podiam casar. Até 1969, só podiam viajar para o estrangeiro com autorização escrita do marido. O fim do casamento católico não era permitido e as mulheres que tinham filhos de outras relações não tinham proteção legal, nem sequer acesso aos hospitais.

O voto só foi permitido em 1968, mas apenas para quem soubesse ler e escrever. Segundo dados da Pordata, 31% das mulheres eram analfabetas. No entanto, tudo mudou após o 25 de Abril de 1974. A mudança tem sido vista como positiva, mas ainda ficaram saudades do tempo da ditadura.

Adelina Fernandes era professora primária e recorda-se bem daquela manhã do 25 de Abril de 1974. “Estava em casa e às 6h00 da manhã, um capitão que era nosso amigo ligou a dizer que tinha havido um assalto no quartel do Carmo e pediu-nos para ir avisar a sua mulher que não lhe iria ligar durante todo o dia. O meu marido foi avisá-la. Eu fui para o Magistério e também disse o que se tinha passado em Lisboa”, contou à VTM, adiantando que com o romper do dia as pessoas “ficaram a saber que havia uma revolução, porque tinham ouvido na rádio e também na televisão, que já havia em algumas casas e cafés”.

“Eu dava aulas em aldeias e as mulheres não tinham nenhuma liberdade, tinham muito respeito pelo marido e pelo casamento. Eram os homens que decidiam tudo, já que as mulheres eram moldadas para lhes obedecer”

A professora confessa que ficou apreensiva. “Eu vivia bem, fui a primeira mulher a tirar a carta de condução na Cumieira, decorria o ano de 1969 e paguei 200 escudos. Fiquei a tremer, porque tinha medo que viessem roubar as nossas coisas. Depois do 25 de Abril houve pessoas que tomaram conta de terras que não lhe pertenciam. Por isso, havia pessoas felizes com a revolução e outras que, estavam contra. Eu não queria, porque vivia bem. E continuei a viver bem, mas cheia de medo. No pós-revolução, colocámos trancas nas portas e janelas, algo que nunca tínhamos feito, porque tínhamos medo de ser assaltados”, sustentou.

Adelina Fernandes era casada, mas não fazia tudo aquilo que o marido queria. “Eu também ganhava dinheiro e não pedia autorização ao meu marido para nada. Naquela altura, os maridos eram todos galos e eram eles que mandavam, mas eu não obedecia. Por exemplo, quando éramos convidados para um casamento, ele só queria ir à cerimónia e não queria ir à boda, mas eu ia e ele vinha para casa”.

A liberdade sentida por esta professora era muito diferente do que se passava no país, sobretudo nos meios rurais. “Eu dava aulas em aldeias e as mulheres não tinham nenhuma liberdade, tinham muito respeito pelo marido e pelo casamento”. Aliás, “eram os homens que decidiam tudo, já que as mulheres eram moldadas para lhes obedecer”.

“HAVIA MAIS RESPEITO”

Apesar de a revolução ter trazido a liberdade, a professora revela que a democracia “foi boa para todos, mas antes havia mais respeito, que se tem perdido ao longo do tempo”, lamenta, lembrando ainda a pobreza em que se vivia, com alunos que “nem sequer sapatos tinham para ir à escola”.

Para o ensino “foi mau, porque os alunos não aprendem tanto e as professoras também não lhes dão tanta atenção”, sustenta, acrescentado que as pessoas “não souberam receber essa liberdade, já que os filhos não obedecem aos pais como obedeciam e perdeu-se o respeito que antigamente existia no seio da sociedade”.

BOTICAS

Vitória da Fonte, agora com 70 anos, tinha 20 quando se deu a revolução e foi à distância que soube do golpe militar, já que estava no Brasil, para onde tinha ido morar com uns tios cerca de dois anos antes. Natural de Boticas, havia de regressar nesse ano de 1974 para casar com o atual marido. “Lá, soube do 25 de Abril pelo jornal”, uns dias depois, pelo que se recorda. “Lemos que houve uma revolução em Portugal. Fiquei um pouco preocupada, porque não sabia muito bem o que se estava a passar”, conta, até porque a notícia pouco dizia.

Apesar de ser jovem, e em Boticas não ouvir falar muito de política, sabia que havia PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado). Além disso, uma grande preocupação era a guerra colonial. “Tive um irmão na Guiné e passámos um mau bocado. Um primo fugiu para não ir para a guerra”, recorda. “Naquela idade não tinha muita consciência da parte política, sabia que havia o Salazar e que as pessoas tinham medo”, explica, mas a situação no Ultramar fazia-a “ser um bocado contra o regime, sabendo que aquilo estava tão mau”.
Foi esse familiar exilado que lhe escreveu, entretanto, a contar os pormenores sobre as mudanças no país e a queda do regime. “O meu primo estava em Espanha e escreveu a contar o que se passava”.

Quando regressou ficou mais descansada ao “inteirar-se da situação”, porque pensou que “haveria mudanças e para melhor, acho eu”.

“Lembro-me de ser jovem e haver coisas que não se podiam comentar e livros que não se podiam ler. Lembro-me de haver a PIDE e de pessoas que se dizia que eram os bufos”, afirma. Mesmo longe de Lisboa, a rede estendia-se por todo o país. Também a situação social a preocupava. “Havia muita pobreza, muita miséria na altura, os meus pais tinham uma casa de lavoura muito boa e quando se marcava um trabalho não faltava gente para trabalhar, só para comer, até pediam quase por favor para irem”, recorda.

As melhorias em áreas como a saúde e educação também são apontadas como avanços que chegaram com Abril. “Havia só um hospital em Chaves e aqui os médicos ou eram amigos e iam a casa por favor, ou tinha de se pagar e sabe Deus”, relata, recordando que eles “vinham a cavalo”, já que carros eram raros. Apesar de a família não sofrer privações económicas, recorda que era difícil estudar. “Fiz até ao segundo ano”, equivalente ao atual segundo ciclo, “no colégio de Boticas, mas tinha de se pagar”, e nem toda a gente tinha facilidade em estudar, sendo as raparigas, normalmente, as mais sacrificadas. “Mesmo para os meus pais era difícil, éramos cinco irmãos e tinha de se pagar muito, não era fácil. Para um irmão e uma irmã estudarem, eu fiquei ainda retida algum tempo”, adiando os estudos devido às despesas.

Vitória da Fonte tinha 20 anos

“Éramos cinco irmãos e tinha de se pagar muito para estudar. Para um irmão e uma irmã estudarem, eu fiquei ainda retida algum tempo”

Lembra-se ainda de a luz chegar a Boticas, quando era criança, mas o luxo ficou-se pela vila, continuando as aldeias sem eletricidade por mais uns anos.
Vitória está agora reformada, mas foi comerciante e trabalhou na farmácia com o marido, tendo assistido a grandes mudanças sociais nas últimas cinco décadas. “As coisas evoluíram muito desde o 25 de Abril, não tem comparação possível. Mesmo a qualidade de vida das pessoas melhorou muito”.

Um dos direitos que as mulheres passaram a ter plenamente foi o de votar. “A minha avó falava nisso e ficava sempre muito revoltada por não poder votar”, recorda também.
“Acho que ficámos muito melhor, muito mais abertos, as pessoas agora têm liberdade de se expressar, de falar. Antes tinham muito medo. Acho que só por isso, a nossa liberdade vale muito”, conclui.




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