Sexta-feira, 31 de Outubro de 2025
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Ascenso Simões
Ascenso Simões
Ex-Secretário de Estado e ex-Deputado

Uma nova vida para Vila Real

Ao longo dos últimos doze anos, só por três vezes me pronunciei sobre a atividade do município de Vila Real.

Não foi porque não tivesse fortes reservas sobre muitas das decisões tomadas, porque não tivesse havido motivos para alertas. O meu silêncio deve-se, tão só, ao facto de ter um forte sentido de “partido”, a não querer que o PS fosse prejudicado pelas minhas posições.

Em 2013, os socialistas estiveram minimamente unidos e ganharam as eleições. Desde esse ano que o PS quase deixou de existir, foi colonizado por interesses que não o interesse geral, deixou de ter uma matriz. Qual foi a diferença entre a gestão do PSD e a do PS nas últimas três décadas? A única coisa que se vislumbra é o regresso das corridas, uma boa decisão que esbarra na inconsequência em que se transformou.

Nos últimos três mandatos, os autarcas municipais do PS tiveram à sua disposição um total de cerca de 720 milhões de euros (base orçamental). Olhemos para este valor global e façamos a sua decomposição – 350 milhões para despesas correntes e de funcionamento (muito superior ao que a boa gestão recomenda), 150 milhões para o saneamento, habitação, vias, escolas, museu do Biel, nova zona industrial, requalificação da Avenida e arruamentos na cidade. Que tenham sido 30 milhões, direta ou indiretamente para as corridas e 10 milhões para festas, sobrariam mais de 100 milhões de euros que deveriam estar em qualquer lado, que poderiam ter alavancado entre 250 e 400 milhões de euros de fundos europeus se o município tivesse uma visão ampla destes e influência, designadamente em Bruxelas.

Este exercício fala por si. Não quero dizer que a despesa nos valores restantes não tenha tido razão de ser, mas o município precisava, precisa, de investimentos transformadores que aumentem a população e façam crescer significativamente o rendimento médio. Esses não foram conseguidos para além dos hipermercados.

Alexandre Favaios vai ter agora a responsabilidade de dirigir o município. Regressarei ao meu silêncio para não implicar na gestão e nas decisões. Há, porém, uma grande dúvida que está na cabeça de muitos dos que nele votaram – será um presidente livre? Ou será um instrumento?

Quem sabe um pouco de ciência política antecipará a resposta – se Favaios for um instrumento, a derrota do PS será certa. Será certa, e em primeiro lugar, porque as decisões se vão desenvolver a partir de poderes fáticos desde o início do mandato; em segundo lugar, porque autorizarão a ampliação de círculos autónomos de poder, porque os funcionários do município responderão mais a outros do que a si próprio. Eu sei que Favaios é uma pessoa íntegra, que tem uma dívida de gratidão, mas a gratidão, em política, não pode implicar com o caminho que importa seguir como alguns dos seus próximos já demonstraram no passado.

Há cinco áreas em que Favaios tem de ter uma outra forma de decidir – o fomento económico; o urbanismo; as empreitadas; as corridas; e o pessoal.

No fomento económico importa que se elimine a suspeição (errada mas difundida amplamente no concelho) sobre interconexão entre interesses públicos e privados; no urbanismo (a antecipação de problemas que se vão colocar entre a tutela política e a operação técnica); nas empreitadas (a total transparência que elimine a ideia instalada de cartel); nas corridas (encerrando a associação que serve de intermediária); no pessoal (impondo gestão e clareza de procedimentos).

Rui Santos é um político astuto e que pode ter, se se preocupar com ele próprio, um caminho nacional. Porém, sabe também que não pode implicar na vida política local, que a sua pessoa se deve assumir na distância, que deverá honrar os mandatos para que foi eleito. As mais recentes dúvidas prendem-se com o boato, que a oposição pôs a circular, sobre a possível vinda do parlamento para presidir à empresa de água e saneamento. Importa atalhar já, seria um tiro no porta aviões da credibilidade do novo presidente e o fim político do anterior. Os cidadãos têm elasticidade limitada, um dia zangam-se mesmo como se viu nas legislativas.

O PS não é um símbolo que se coloca nos boletins para ir a eleições. O PS é um partido com uma história e com vasto conjunto de princípios. Os dirigentes passam, o partido fica. No poder ou na oposição. O que as últimas eleições legislativas demonstraram é que o poder das pessoas está ligado às funções que ocupam e quando não há mais do que isso os eleitores votam noutros símbolos. Uma boa análise dessas eleições teria obrigado a um repensar do que cada um anda aqui a fazer, mas não foi isso que aconteceu. O voto secreto não tem dono.

Muitos dos atores políticos, que iniciaram a caminhada em 2013, terminaram os seus mandatos e estão livres; outros vão acabar nas próximas eleições e estarão livres. O tempo é o pior dos aliados, o esquecimento é mesmo o mais relevante a ter em conta na vida política. Quem não tem sustentação pensará na eternidade, uma miragem.

Espero que Alexandre Favaios não mate o pai. Demonstraria uma frieza que não lhe conheço. Mas Maquiavel indica bem o que há a fazer – ninguém deve pedir licença para existir.

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