Sábado, 26 de Abril de 2025
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Ascenso Simões
Ascenso Simões
Ex-Deputado do PS na Assembleia da República

O padrão não é a Nação

Ao longo da minha vida política fiquei muitas vezes sozinho a defender ideias, propostas, projetos. Nunca essa solidão me abalou ou me fez parar.

Não foram raros os momentos em que também recebi insultos, até ameaças de morte, pelas opiniões que afirmei. Quem está na vida pública não pode esquecer que há contingências que sempre se lhe deparam. 

Na passada semana, no jornal Público, escrevi sobre a consolidação da nossa democracia. Trata-se do maior e do melhor jornal em circulação que não conhecido por dar espaço a tolinhos. Nesse texto deixei alertas sobre a forma como estamos a caminhar, a ausência de paciência para podermos compreender argumentos e debater os problemas. Fiz análise sobre a sociedade que já construímos e a que queremos ou devemos construir. Não tinha a pretensão de receber unanimidade, sabia que muitas pessoas discordariam do meu ponto de vista. Mas ficou a minha leitura. 

No encalço desse texto havia uma referência ao Padrão dos Descobrimentos, obra que os arquitetos têm discutido na sua essência e que deve ser marcada pelo enquadramento do seu nascimento. O Padrão nasceu como construção efémera na exposição dos centenários em 1940, foi abandonado como foram quase todas as peças dessa exposição e, em anos seguintes, um tufão acabaria com ele e afundaria o Infante D. Henrique no Tejo. 

Em 1959, para assinalar mais um momento comemorativo do Estado Novo, é construído o padrão que está lá hoje, também a Praça do Império, esta subsidiada pela União Sul-Africana como exemplo de amizade. 

Chegamos agora ao conteúdo e simbolismo do padrão. Nele estão figuras conhecidas e outras desconhecidas, algumas que se justificam e outras que nada dizem. Até foi acrescentado Nuno Gonçalves, o autor dos Painéis de São Vicente que haviam sido descobertos há poucas décadas, legitimando-se em conjunto, padrão e painéis, numa visão própria – a pré-existência de Salazar nos mesmos painéis, uma espécie de divindade que se atravessa também na construção do casto Infante, que ainda por cima era Duque de Viseu, o distrito onde nascera Salazar. Encontrarão no google imensa matéria sobre o tema.

Mas há uma questão que a história começa agora a responder. Qual a razão de não estarem nas esculturas do padrão D. João I, o que foi a Ceuta e iniciou a conquista? Nem estar D. João II, o estratega que fez descer navegadores pela costa de África? Nem sequer D. Manuel I, o rei que deu a conhecer à Europa a terra dos papagaios que é hoje o Brasil? Não é estranho esse esquecimento? 

Em Portugal, como nos fascismos e comunismos do século XX, a obra escultórica não se destinava a eleger os grandes, destinava-se a eleger os que não faziam sombra ao ditador. O padrão é exatamente isso, o elogio a Salazar na figura de D. Henrique. Esta realidade muda tudo.

Os historiadores do Estado Novo, alguns anteriores e posteriores, consagraram a existência de uma Escola de Sagres. Tal escola nunca existiu, mas se fizermos uma sondagem teremos uma maioria qualificadíssima de portugueses que achará que sim, que existiu. A história do século XX, feita entre 1935 e 1960, do mesmo século XX, veio até tarde, ainda anda aí sem questionamento. É por isso que há tanta discussão animada quando demandamos que o considerávamos como certo. 

O padrão não é símbolo da Nação. É símbolo de uma visão sobre a Nação. A Torre de Belém, os Jerónimos, Alcobaça, Batalha, sim, esses são símbolos da Nação. 

Orgulhemo-nos, pois, da Nação e dos seus símbolos. Deixemos Ameal e Múrias, na sua história sectária, nas prateleiras de memórias de um tempo que uma democracia madura sempre encontrará. 

Façamos uma discussão civilizada. A vida pública, o debate público, não podem limitar-se ao romance. Todos sabemos que o romance é a coisa mais efémera que passa pelas nossas vidas. 

Portugal faz-se com gente livre e, principalmente, com gente que não fica de boca aberta perante o questionamento. ■

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