“O nosso invento pode ser explorado durante algum tempo, como curiosidade científica, mas não tem nenhum futuro comercial”.
(Augusto Lumière)
“Mal imaginavam então os inventores do cinematógrafo que, em breve, se organizaria por toda a parte um grande comércio alimentado por uma grande indústria: o cinema, a sétima arte, a arte do século XX. Afinal, síntese de todas as artes, crescendo, todos os dias se inventando, desenvolvendo-se, evoluindo rapidamente mercê do génio criador dos seus primeiros obreiros”.
(Henrique Alves Costa)
Sendo certo que o Cinema é sempre cinema, a verdade também é que o cinema de hoje já nada tem a ver com o que havia antes. Nas experiências, nas descobertas, nos objetivos, nas funcionalidades, no caráter sociocultural, nas imagens a preto-e-branco ou coloridas, nos sons, nas tecnologias, no lúdico e no pedagógico, nos atores, realizadores, nos argumentos, modos de vestir e de andar, nas ruas ou no espaço mais limitado de um quarto, numa vasta pradaria ou no ambiente sombrio de um “ghetto” de Nova Iorque.
O cinema é uma arte que sabe sobreviver
Há quem diga que o cinema atual não tem o mesmo encanto, por ser mais realista e possuir menos fantasia, apelando mais à consciencialização das problemáticas atuais (o que competirá mais à televisão) do que às fantasias e à imaginação de antes. Por mostrar violência a mais e amor a menos.
Tudo depende. Tudo faz parte do cinema. Ao espectador cabe acreditar nele, compreender, tirar proveito dos seus exemplos. O cinema continua a ser uma arte. De sedução. Resiste a tudo. Já resistiu à censura, aos pessimismos, às perseguições, à televisão, ao vídeo, às redes sociais. O cinema não é só um filme. Tem todo um ambiente à sua volta. Sempre em movimento.
22 de dezembro de 1985
Depois do dia de Natal de 1895, no dia 28 que se lhe seguiu, o impensável aconteceu, em Paris.
“O ocasional transeunte que descesse apressado a Boulevard des Capucines, de gola levantada por causa do rigor daquele inverno, viu a sua atenção atraída por um insólito cartaz colocado à porta do Grand Café, a dois passos da Praça da Ópera. Numa olhadela, viu que o cartaz anunciava para essa noite a primeira apresentação do cinematógrafo Lumière”.
(Henrique Alves Costa, in “JN” de 25–12-85)
Era a materialização prática de tantas experiências, tentativas anteriores para dar movimento aos objetos estáticos (“kino”, em grego, significa “movimento” e veio a dar origem ao termo “cinematógrafo” e, depois, a “Cinema”). Essa era a novidade do Grand Café, ao qual acorreram dezenas de pessoas, curiosas, mas desconfiadas. Houve uma espera até que ficassem preenchidos os cem lugares da “sala indiana”. De repente, surgiu um jato luminoso vindo de trás. Ainda as pessoas não tinham visto bem o que isso era e já corriam imagens à frente, num ecrã.
Ah! Que surpresa! Eram fotografias animadas. Os bonecos mexiam-se. Mais: as imagens eram grandes, ampliadas e nítidas. Viam-se os operários a sair, apressados, pelo portão de uma fábrica. Alves Costa escreveu: “quase em tamanho natural, como se fossem pessoas autênticas que estivessem a passar aí mesmo, vistas de uma grande janela”.
Depois, viu-se uma estação ferroviária à qual chegava um comboio, com a locomotiva a resfolegar vapor. De tal modo a locomotiva se aproximou que os assistentes das primeiras filas se levantaram e afastaram, assustadas pela perspetiva de poderem ser atropeladas.
“Espetáculo curiosíssimo”
Um jornalista de “O Comércio do Porto” assistiu ao primeiro espetáculo de “animatógrafo” naquela cidade, em 18 de julho de 1896, na sala do Círculo Príncipe Real, onde hoje existe o Teatro Sá da Bandeira. No artigo que escreveu, mostrou-se maravilhado com o que viu, sem deixar algumas críticas ao modo como a técnica era utilizada.
“O espetáculo é realmente curiosíssimo. Consiste na exibição de vistas fotográficas, reproduzindo sem perda do mais insignificante movimento ou pormenor as variadíssimas cenas animadas. Assim, o movimento operário no interior de uma serralharia; a vida despreocupada e alegre de um boulevard onde a multidão passa e as crianças se entregam aos jogos da sua predileção; uma das largas pontes de Paris com todo o seu movimento de carros e nos passeios os transeuntes vagarosos uns, açodados outros; o atirador alvejando ou o duelo, levado em rigor em todas as suas regras, eis os quadros que nos impressionaram e que se nos afiguram mais surpreendentes, se bem que o processo, por não ter ainda atingido a perfeição desejável, deixa num ou noutro ponto perceber ao espectador a passagem de um cliché para o imediato e se nota uma contínua oscilação que em nada prejudica o efeito geral, mas que é um senão que por certo acabará à custa das lucubrações dos especialistas”.
Já António Reis, jornalista do mesmo diário portuense, escreveu, em 19 de julho de 1986:
“Passados tantos anos em que o cinema em vez de envelhecer rejuvenesceu com a cor, o som, o alargamento do ecrã e as dimensões tridimensionais, que conquistou milhões de espectadores e se tornou o espetáculo mais popular do mundo, seria curioso saber-se como terão reagido esses primeiros cinéfilos movidos pela curiosidade que assistiram espantados a essa sessão histórica que deu origem ao que é”.
Antes disso
1878 – Edward Muybridge consegue captar uma sequência de um cavalo a trotar. Era a constatação de que era possível animar uma imagem, dando-lhe movimento.
1887 – Thomas Edison transforma o seu aparelho “kinetoscópio” em aparelho cinematográfico, ainda que apenas de visionamento e não de projeção, quase intransportável, por ser muito volumoso e pesado.
1892 – Émile Reynaud apresenta espetáculos do seu “Teatro Óptico” no Museu Grévin, em Paris.
1893 – Thomas Edison cria um estúdio de filmagem em West Orange, na Nova Jérsia, e apresenta um aparelho de projeção a que chamou “Cinetoscópio” na Exposição Internacional de Chicago.
1894 – Apresentação, em Richmond, na Grã-Bretanha, do chamado “Fantascópio”, de Frank Jenkins, que fez o primeiro filme de sempre, com uma duração de três segundos. Entretanto, nos Estados Unidos, abriu a primeira sala de exploração do “Cinatoscópio” (nova designação do aparelho de projetar imagens).
Depois disso
1896 – “Lárroseur arrosé”, primeiro filme com montagem, com sete minutos de duração. Neste ano, o cinematógrafo é apresentado em vários países: Inglaterra, Bélgica, Estados Unidos, Turquia, Áustria e Portugal, neste caso no Real Coliseu de Lisboa.
1897 – Aurélio Paz dos Reis realizou no Porto a curta-metragem “Saída do pessoal perário da Fábrica Confiança”, inspirado em filme idêntico dos irmãos Lumière.
1908 – Primeiro filme de longa-metragem de David W- Griffith (“The adventures of Dollie”), nos Estados Unidos.
1910 – Advento do cinema americano, com Tom Mix e o primeiro “western” (cinema do Oeste / filme de índios e cowboys).
1914 – Mary Pickford faz a sua aparição como atriz, dando origem às “estrelas” (“stars”).