Quando jovem, teve papeira mas nunca o revelou à namorada, tendo casado com ela porque esta criatura de Deus queria casar e ter filhos em abundância. Claro que com a papeira do senhor João, o que ela teve foi uma vida flagelada de maus tratos, ameaças verbais e torturas de vária ordem… As discussões à noite eram de por os vizinhos em vigilância, nunca se sabendo onde aquilo ia parar… Ele inventava palavrões tão emporcalhados e sebentos que nenhum dicionário ousaria inscrevê-los a bem da civilidade e da ética vocabular.
O senhor João era filho de uma Professora Primária, mas de nada lhe valeu a educação da progenitora porque o condutor de cilindro era odiado pela canalha e excomungado pela mulher Conceição e por todas as mulheres da aldeia.
Ao almoço, o senhor João vinha da cidade almoçar no seu pesado cilindro e chegava a Mateus, sentindo-se o homem mais poderoso ao cimo da terra. Aquele monstro rolante por onde passava, deixava tudo amassado, esventrado. Os estragos eram visíveis mas o valentão assobiava para o lado ostensivo e indiferente.
O homem tinha um Ford Anglia que só trabalhava dando à manivela. Mesmo assim, por vezes o carro não arrancava. Então, nesta situação desesperada, pedia à canalha para empurrar a carripana… só aqui é que o senhor João esboçava um sorriso pouco aberto, pouco esclarecido, pouco declarado.
Mas, quando a canalha se encostava ao Chaço, por descuido ou provocação, o senhor João, afoito e furioso, atirava-lhes com pedras com tal violência que por vezes elas atingiam o seu próprio carro. Certo dia, uma pedra mal conduzida atingiu o padre Faceira na testa perto de um olho. O mensageiro de Deus ficou contorcido de dores. A senhora Delmina, que tinha rudimentares conhecimentos de enfermagem, fez-lhe o curativo e como ele era padre e ela assídua frequentadora da igreja, o tratamento prolongou-se no tempo, acrescido de pachos de água quente.
Entretanto, algumas mulheres mais destemidas não deixaram o senhor João sair dali enquanto o Padre Faceira não se restabelecesse. O Prior depois de ouvir o atirador de pedras implorando-lhe a glória do perdão, deixou-o ir em paz…
Depois da morte do senhor João, a Conceição deleitou-se nos compromissos da Igreja, submissa aos anjos e Arcanjos, implorando a misericórdia de Deus…
O rosário nas mãos e o xaile preto, eram a marca desta “santa” mulher amargurada e com o nome de Jesus na espuma da boca.
Com o percurso penoso da sua vida e apego aos insondáveis mistérios da fé de Cristo, a Conceição era merecedora de uma homenagem pública.